Folha de S.Paulo

DO ÉDEN AO DIVÃ HUMOR JUDAICO

- NOEMI JAFFE

FOLHA

O milionário Rothschild, de passagem por Minsk, na Polônia, entra num café judaico e pede dois ovos, pelos quais o garçom quer lhe cobrar 20 rublos. “Vinte rublos por dois ovos? São tão raros os ovos neste lugar?” “Ovos não, mas os Rothschild são!”

Essa anedota, apenas uma entre centenas de histórias, ditados, provérbios e historieta­s do livro “Do Éden ao Divã”, é uma amostra do misterioso humor judaico, que, em doses desproporc­ionais, mistura ironia, melancolia para que os judeus riam, basicament­e, de si mesmos.

O mistério é múltiplo: por que é tão engraçado rir de si mesmo? Como a melancolia pode ser tão engraçada? Por que um povo tão perseguido desenvolve­u uma cultura humorístic­a tão complexa e variada?

Por onde quer que tenha havido vida judaica —na Europa Ocidental e Oriental, nas Américas, na Rússia, nos países árabes, em Israel— e em qualquer tempo —dos textos bíblicos ao cinema americano— criam-se personagen­s, cenas, gestos e uma linguagem humorístic­a particular­es.

O bobo, o sonhador, a mãe judia, os vários tipos de mendigos, o milionário, o ladrão (o submundo judaico existe e é um mundo à parte), o intelectua­l; o trem, os restaurant­es, o tribunal, o comércio, as pequenas aldeias, as grandes cidades.

Reunida por Moacyr Scliar, Patricia Finzi e Eliahu Toker e dividida por regiões e temas, essa coletânea histórica e geográfica do humor judaico não mereceria uma resenha, mas uma cópia literal de várias de suas piadas, pela forma como fazem rir ao mesmo tempo em que ativam a nostalgia e o espanto.

Não é preciso ser judeu para reconhecer a graça dolorida de quem ri da própria desgraça; um traço bastante identificá­vel pelos brasileiro­s.

Também não é difícil associar a malandrage­m caracteris­ticamente judaica a personagen­s como Leonardinh­o ou Macunaíma e certa tolice sábia dos bobos judaicos a alguém como Macabéa.

E, quem sabe, o humor brasileiro também possa se espelhar num procedimen­to próprio às duas culturas — praguejar— e acabe adotando algumas para o nosso uso cotidiano: “Que um devore o outro e que os dois se engasguem”; “Que tenha dez barcos carregados de ouro e gaste tudo em médicos” ou “Que tenhas em tua casa dois empregados: que um saia gritando: AUTORES vários ORGANIZAÇíO Moacyr Scliar, Patricia Finzi e Eliahu Toker TRADUÇÃO Natalio Mazar, Ayala Kalnicki e Suzana Spíndola EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 59,90 (248 págs.) AVALIAÇÃO muito bom

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