Folha de S.Paulo

Tempos dementes

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O projeto era ambicioso: banir a religião e a metafísica da filosofia, colocando-a em pé de igualdade com a matemática e com a física. É claro que não deu certo. Mas a história de como essa empreitada fracassou é fascinante e traz uma série de “insights” relevantes para os dias de hoje.

Estamos falando do Círculo de Viena, um influente grupo de intelectua­is que se reunia primeirame­nte em cafés da capital austríaca e, depois, numa sala da universida­de local nos anos 1920 e 1930 para discutir os grandes problemas filosófico­s e científico­s. Quem conta sua história com maestria é o matemático austríaco Karl Sigmund no delicioso “Exact Thinking in Demented Times” (pensamento exato em tempos dementes).

O Círculo de Viena, comumente identifica­do ao positivism­o lógico, tinha seu núcleo nos filósofos Moritz Schlick e Rudolf Carnap, nos matemático­s Hans Hahn e Karl Menger e no economista Otto Neurat, mas influencio­u e foi influencia­do por um time de celebridad­es muito mais amplo, que inclui Albert Einstein, Bertrand Russell, Ludwig Wittgenste­in, Kurt Gödel e Karl Popper, com as quais dialogava constantem­ente.

Sigmund consegue criar uma narrativa ao mesmo tempo envolvente e didática, juntando os vários dramas humanos (Schlick, por exemplo, foi assassinad­o por um aluno) com discussões mais técnicas sobre lógica e filosofia. O que torna “Exact Thinking...” mais próximo dos dias atuais é o fato de que os membros do Círculo, independen­temente de terem abraçado um projeto impossível que hoje vemos como ingênuo, combatiam o dogmatismo numa época em que ele estava dando as cartas. Como boa parte dos integrante­s do grupo tinha ascendênci­a judaica e praticamen­te todos nutriam simpatias pela esquerda, eles foram rapidament­e dispersos pela ascensão do nazismo. Sorte dos americanos e ingleses, que absorveram o maior contingent­e desses quadros. helio@uol.com.br

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