Folha de S.Paulo

Com Trump ‘ladrão de cena’, Davos manifesta otimismo preocupant­e

Diretora do FMI é voz dissonante: ‘Hora de consertar teto é quando faz sol, não quando chove’

- MARIA CRISTINA FRIAS LUCIANA COELHO

‘Se agora estão projetando tudo de bom, fico com medo’, diz banqueiro; França e Índia são destaques

Todo mundo se disse “de volta” no Fórum Econômico Mundial deste ano.

Temer: “Brazil is back”; Macron: “France is back”; e Macri: “Argentina is back”. Até os EUA, que retornaram a Davos depois de 18 anos, vieram exibir seu cresciment­o econômico e a alta no mercado de ações, que bate recorde sobre recorde, como alardeou Trump.

O clima de euforia assusta. Como alertaram a diretorage­rente do FMI, Christine Lagarde, e o colunista do “Financial Times” Martin Wolf, é hora de fazer ajustes para enfrentar a próxima crise. “A hora de consertar o teto é quando faz sol, não quando chove”, lembrou Lagarde.

“É incrível o otimismo grande que se vê [pelo mundo]. Participei de vários painéis, e isso ficou claro”, disse Paulo Cesar de Souza e Silva, presidente da Embraer.

“Preocupa muito [essa animação]. Falava-se muito que os principais problemas poderiam vir de variáveis exógenas —um ataque terrorista, uma guerra na Coreia ou algo similar. Acho isso um risco, além da segurança cibernétic­a, que pode desestabil­izar uma indústria ou setores”, acrescento­u.

“Há um otimismo com forte unanimidad­e. Isso chega a ser preocupant­e, porque a unanimidad­e faz todos os agentes se moverem na mesma direção, o que pode ser perigoso”, disse Renato Ejnisman, diretor-executivo do Bradesco e responsáve­l pelo BBI, banco de investimen­to.

Um banqueiro, que conversou com a Folha sob a condição de que seu nome não fosse citado, disse que Davos antecipa as tendências econômicas que se materializ­arão no decorrer do ano. “Mas com sinal trocado”, brinca ele.

Foi assim em 2017, quando as previsões, após a posse de Trump, eram de um ano péssimo para a economia global, altíssima volatilida­de e avanço da milícia radical Estado Islâmico, o que não aconteceu. “Se agora estão projetando tudo de bom, fico com medo”, ironizou ele.

Para muitos, há uma crise RENATO EJNISMAN diretor-executivo do Bradesco e responsáve­l pelo BBI, banco de investimen­to BANQUEIRO contratada à vista. Mas economista­s presentes nas montanhas alpinas afirmam com certeza que ela não começa neste ano.

Em 2017, o chinês Xi Jinping havia surpreendi­do Davos ao advogar em favor da globalizaç­ão, enquanto Donald Trump tratava de assustar o mundo com seus planos de “America First”.

Neste ano, líderes de Alemanha, França, Índia e Canadá, além de Michel Temer, martelaram suas defesas do comércio aberto e global. MACRON SE DESTACA O destaque ficou com Macron, que teria sido a vedete da semana não fosse a espalhafat­osa vinda de Trump, segundo presidente norte-americano a comparecer ao fórum —o primeiro fora Bill Clinton.

O indiano Narendra Modi também se destacou. Lotou rapidament­e a plenária, e as mesas que tinham a China como tema atraíram atenção generaliza­da. Mas nada mobilizou tanta gente ou energia como o líder americano.

Goste-se dele ou não, Trump se anuncia o personagem do ano, mais uma vez. Seu recém-aprovado pacote tributário foi amplamente aplaudido, a começar pelo fundador do fórum, Klaus Schwab, e pelo FMI, que o mencionou em relatório como propulsor da demanda global. Ao que tudo indica, até a potência americana precisa da vitrine de Davos para não deixar a China brilhar sozinha.

A desmentir prognóstic­os de que o fórum perde importânci­a em tempos digitais, ele reuniu 3.000 participan­tes — capacidade máxima— e um recorde de governante­s.

“Foram mais de 70”, disse Marisol Arguetas de Barilla, diretora para a América Latina, que organiza a próxima edição do fórum da região que será em São Paulo, de 13 a 15 de março, e contará com a Folha como coanfitriã.

A presença latina em Davos é discreta, apesar de Temer e Macri terem sido convidados a discursar. O brasileiro foi apresentad­o ao público pelo próprio Klaus Schwab, uma óbvia deferência, que Macri e o premiê italiano Paolo Gentilone não tiveram.

Davos é um evento essencialm­ente europeu, que só arregala os olhos para outros cantos do mundo quando se trata de economias mastodônti­cas como Estados Unidos, China e Índia.

Ainda assim, a guinada liberal dada de forma simultânea por Brasil e Argentina encontrou em Davos apoio e incentivo. Resta saber o quanto dela será concretiza­do, com eleições neste ano no Brasil e a crescente oposição na Argentina ao projeto de Macri.

Sempre adepto de debates sociais, ainda que seu público-alvo não os tenha como prioridade, o fórum neste ano mostrou tremenda sintonia com temas prementes, fossem eles mais ou menos pop —capacitaçã­o para mercado de trabalho, desigualda­de, aqueciment­o global e até assédio sexual.

Pelo menos 900 dos cerca de 3.000 convidados eram acadêmicos, empreended­ores sociais, sindicalis­tas, jornalista­s e ativistas.

Há um otimismo com forte unanimidad­e. Chega a ser preocupant­e, porque a unanimidad­e faz todos os agentes se moverem na mesma direção, o que pode ser perigoso” “

Se agora estão projetando tudo de bom, fico com medo

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Russia House/Divulgação Russia House, casa montada pelo governo russo para promover o país na Promenade de Davos, principal rua da cidade

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