‘Esse estrago vai ficar pra sempre’, diz cacique da aldeia
DO ENVIADO À TERRA INDÍGENA MUNDURUKU
Em 1996, o cacique Osvaldo Wauru foi enviado à região com a missão de conter o avanço dos garimpeiros brancos —daí o nome da aldeia, Posto de Vigilância (PV).
Aos 70 anos, quase não exercepoderdemando.Noúltimo ano, viu a sua aldeia ser engolida por não indígenas, que destruíram o entorno, tomaramcasasealiciaramoseu filho, que hoje vende bebida alcoólica e recruta guerreiros para proteger o garimpo.
Veja depoimento à Folha. o Posto de Vigilância. No tempo,aFunaitinhapoderpraexpulsar. Fiquei tranquilo.
Depois, em 2002, começou o garimpo. Não entraram logo. Eles vieram de lá pra cá, nabeiradanossaárea[FlorestaNacionaldoCrepori].Avisei a Funai, eles vieram aqui, e a área ficou livre por um tempo.
Depois, veio outro garimpeiro branco e tiramos, fiquei livre de novo. Aí vieram de novo, mas desta vez era um monte de garimpeiro trazendo máquinas, escavadeiras, essas coisas. Aí a gente mesmo fez acordo com eles e começou essa invasão. Começaram com 20 barracos, máquinas e PCs [escavadeiras].
No ano passado, começaram a entrar aqui na aldeia. O próprio pessoal convidan- do os brancos pra entrar aqui. Em um ano, fizeram todo o estrago aqui. Eram 15, 20 PCs trabalhando aí direto.
Aí começou bebida alcoólica, droga, boate. O meu própriofilhomaisvelho,João,colocou bebida dentro da casa dele. Eles pegam maconha igual cigarro e fumam aqui.
A caça se afastou por causadamáquina,dasujeira.Era muito fácil aqui, porco, veado, anta. Peixe tem ainda só num igarapé. Mas os peixes estão doentes, com mercúrio.
Os garimpeiros me arrumavam dinheiro, aí eu pedia ao avião pra trazer comida e distribuía pra comunidade, cada família recebia. Agora, cada um [dos mundurucus] quer negociar com os garimpeiros.
Eles não me pedem autorização. Uns falam: “Eu que mando aqui”. Os voos de avião são por conta deles mesmo. Antes, eu pedia pra eles quepedissemautorizaçãopra trazer voo. Agora, não. Tem uns dez aviões por dia.
Eu também tenho um par de máquinas [para garimpo]. Coloquei um garimpeiro [não indígena] pra trabalhar pra mim, o Eduardo. Mas garimpo tinha de ser com mundurucu e sem PC, só isso.
Melhor é sem PC. O tatuzão [motor com mangueira d’água] não estraga a natureza. Fica até pedaço de mata. Agora, o PC destrói tudo. Tudo aqui era mato. O PC acabou com o mato, com o açaí, com cajueiro, com o rio, acabou com tudo. Esse estrago vai ficar pra sempre.
(FM)