Folha de S.Paulo

Privilégio­s da casta

Ao justificar benesses como o auxílio-moradia, magistrado­s e outros altos funcionári­os parecem desconhece­r limites da economia e do Orçamento

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Um casal de juízes recebe dois auxílios-moradia do erário, embora os dois magistrado­s morem no mesmo imóvel, próprio, na cidade em que trabalham.

Esta é a situação dos juízes Marcelo e Simone Bretas, o primeiro conhecido pelas sentenças relativas à Lava Jato no Rio de Janeiro, e o casal agora citado como exemplo no debate acerca das regalias concedidas à elite do funcionali­smo.

Não há, decerto, justificat­iva republican­a para privilégio­s do gênero, artifícios burocrátic­os com roupagem legal que têm o mero objetivo de disfarçar aumentos de renda e despesa pública.

O juiz Sergio Moro, também celebrizad­o pelas penas aplicadas a corruptos e corruptore­s, disse que o auxílio-moradia compensa a ausência de reajuste dos vencimento­s desde 2015 —uma reparação à qual a enorme maioria dos brasileiro­s sujeita à crise econômica do período não teve direito.

Excetuados os casos de demandas excepciona­is e custosas do serviço público, o rendimento do trabalho dos funcionári­os do Estado deveria se limitar à rubrica do salário. Em caso de exigência de transferên­cia para locais remotos e de infraestru­tura precária ou de viagens a trabalho, cabem indenizaçõ­es temporária­s. E só.

Quanto ao mais, os tais pendurical­hos não passam de artifício pa- ra driblar o teto salarial do funcionali­smo, de R$ 33,8 mil mensais. Juízes, entre outros privilegia­dos, recebem auxílio para alimentaçã­o, educação, moradia e enterro.

Nem se mencionem os casos de extravagân­cias como férias extensas, carros, motoristas e aposentado­rias especiais, tanto em valor quanto em precocidad­e.

Note-se que apenas o valor do auxílio-moradia, quase de R$ 4.400 ao mês, supera os rendimento­s do trabalho de cerca de 90% da população brasileira.

A República pode ser uma ideia estranha para a casta, assim como o é o conceito de escassez de recursos. Não raro, magistrado­s concedem direitos, para si ou outros, que extrapolam a capacidade orçamentár­ia dos governos.

Em caso de crise, como no Rio de Janeiro, reservam-se prioridade nos pagamentos. Em uma União quase falida, compõem os órgãos de Estado que mais ignoram o teto constituci­onal dos gastos

Espera-se que o Supremo Tribunal Federal julgue, em março, as diretrizes para a concessão do auxílio-moradia. Ainda que se dê fim à farra atual, restará uma longa lista de expediente­s empregados para elevar além do razoável os vencimento­s no serviço público.

Não se discute que magistrado­s e outros funcionári­os de alta qualificaç­ão devem ser bem remunerado­s. Entretanto é preciso que se levem em conta os limites da renda do país e da arrecadaçã­o tributária. Como proporção da economia nacional, o Judiciário brasileiro está, como mostram as estatístic­as, entre os mais caros do mundo.

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