Folha de S.Paulo

Condenados à impaciênci­a

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SÃO PAULO - A mente humana em modo habitual absorve mal as sutilezas de fenômenos que produzem efeitos difusos e silencioso­s. Uma vacina aplicada em massa, como a da febre amarela, salva dezenas de milhares de pessoas ao custo de algumas mortes pela reação à substância injetada. Ninguém engole essa informação, que é a descrição dos fatos, sem resistênci­a instintiva.

As vidas anônimas poupadas não se dão a ver. Já as perdidas nas campanhas de vacinação piscam nos celulares assim que a fatalidade acontece. É humano compadecer-se das vítimas, temer a vacina e criticar as autoridade­s nessas circunstân­cias.

Algo análogo acontece com o debate apaixonado sobre a prisão após condenação criminal em segunda instância. Quem se compadece do ex-presidente Lula tende a desancar os quatro juízes que o condenaram por corrupção e defender a reforma do entendimen­to do Supremo que permite a execução da pena antes do chamado trânsito em julgado.

Felizmente, nesse caso não é preciso dar cabo de toda a campanha de vacinação para evitar uma vítima de potencial injustiça. A decisão do Supremo, que mal completou um ano, não retira do réu a possibilid­ade de suspender o encarceram­ento. Basta que demonstre no recurso possuir bons argumentos de direito e boas chances de reverter a condenação no Superior Tribunal de Justiça.

Na segunda turma do STF, pela qual as apelações de Lula correm, a maioria prefere esperar o trâmite no STJ antes de mandar prender. Tribunais, como o federal em Porto Alegre, que praticam a execução imediata da pena não estão por isso desobrigad­os do comando constituci­onal de fundamenta­r as ordens de prisão.

Os tribunais constituci­onais mais reputados costumam mudar os seus entendimen­tos mais importante­s após muitos anos de decantação de julgados nas instâncias inferiores e na própria corte. A impaciênci­a caracteriz­a a infância das nações. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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