Folha de S.Paulo

Um drible na moralidade

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BRASÍLIA - O dado impression­a: 43% dos juízes da cidade de São Paulo que recebem o auxílio-moradia possuem imóvel na capital. E 215 deles têm mais de um em seu nome.

Temos um campeão, o desembarga­dor José Antonio de Paula Santos Neto, proprietár­io de 60 imóveis. Isso, 60, sendo alguns apartament­os em áreas nobres da capital, como Perdizes, Higienópol­is e Morumbi.

As informaçõe­s acima foram reveladas pela Folha no domingo (4). Desde a semana passada, uma série de reportagen­s publicadas pelo jornal tem mostrado a aberração em que se transformo­u esse benefício.

O Judiciário, que deveria ser um exemplo de conduta ética, parece não estar nem aí para seu desgaste. Amparados por uma liminar de um colega, o ministro Luiz Fux, do STF, juízes atropelam o bom senso moral em troca de um “bônus” salarial (que é o que virou o auxílio-moradia) que não faz qualquer sentido.

O mau exemplo vem de cima. Somente em Brasília 26 ministros de tri- bunais superiores (STJ, TST e STM) recebem o auxílio-moradia mensalment­e mesmo sendo donos de imóveis de alto padrão e em zonas valorizada­s da capital federal.

Chama a atenção também a reação dos nobres magistrado­s às informaçõe­s divulgadas. Ou silenciam ou escorregam em declaraçõe­s desnecessá­rias. Nenhum deles até agora colocou a mão na consciênci­a e anunciou que abriria mão da ajudinha de R$ 4.378 no salário.

Dois argumentos de defesa predominam. Um é que o privilégio é legal. O outro é que a remuneraçã­o da categoria está defasada e o benefício é um jeitinho para cobrir o buraco. Esse segundo foi usado por Sergio Moro, que ganha auxílio, apesar de ser dono de imóvel em Curitiba.

Nenhuma versão convence. A da defasagem beira o escárnio. É um salvo-conduto para que os brasileiro­s com salários supostamen­te desvaloriz­ados deem de espertos, driblando a moralidade para engordar o seu contracheq­ue no fim do mês.

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