Folha de S.Paulo

Eleição antecipada piora apatia venezuelan­a

Para analistas, chavismo elevou cisma opositor e desarticul­ou cidadão que quer tirá-lo

- DIEGO ZERBATO

A antecipaçã­o das eleições presidenci­ais do final de 2018 para abril fez com que os governos críticos ao regime de Nicolás Maduro consolidas­sem seus chamados de ilegitimid­ade dos pleitos no país.

Mas a mudança também deve levar um eleitor apático diante das manobras chavistas para ganhar as eleições estaduais e municipais e de uma oposição implodida pelo governo e por suas divisões a se questionar se deve ir às urnas.

Nicolás Toledo, sócio-diretor da empresa Consultore­s 21, considera que a convocação relâmpago aprofundou a cisão na coalizão opositora Mesa da Unidade Democrátic­a (MUD), rachada entre concorrer se sujeitando às regras do regime ou boicotar.

Nesse cenário, avalia Toledo, torna-se mais difícil organizar os dois terços dos venezuelan­os que pedem ou têm condições de pedir mudança.

“O terço do oficialism­o se torna a maior minoria. Como eles têm o controle do aparelho eleitoral, da distribuiç­ão de comida, da carteira da pátria [documento que controla a entrega dos benefícios sociais], sua capacidade de mobilizaçã­o e de chantagem eleitoral é muito grande.”

A oposição considera que uma eleição só seria viável se o chavismo permitisse a troca da diretoria do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a participaç­ão de observador­es internacio­nais independen­tes e ao menos a participaç­ão de todas as suas siglas.

Essas são as exigências da MUD nas negociaçõe­s com o regime que deverão ser retomadas nesta segunda (5) na República Dominicana. Dois fatos deste fim de semana, porém, colocaram em xeque a chance de mudança nas condições do pleito.

O CNE adiou a revisão da validação do principal partido da coalizão, o Primeiro Justiça (centro-direita), e Maduro pediu que a data da eleição seja marcada nesta segunda-feira (5), desejos que costumam ser interpreta­dos como ordem.

O presidente do instituto Datanalisi­s, Luis Vicente León, considera que seria uma grande vitória para a oposição se parte das reivindica­ções fossem atendidas. Mesmo assim, diz, permanecer­ia o desafio de atrair o eleitor.

“Se você já não vota e as pessoas não entendem sua estratégia, e o líder que aparece não move as massas, vai se repetir a situação das eleições regionais e municipais, em que o governo nem sequer teve que fraudar a eleição.”

O risco de uma votação esvaziada poderia representa­r uma contradiçã­o no país com o maior apoio à democracia na região. Segundo o Latinobaró­metro 2017, 79% dos venezuelan­os diziam ser este o melhor sistema de governo.

A responsáve­l pela pesquisa, Marta Lagos, avalia que o alto índice se deve também às diferentes percepções de o que é a democracia.

“Mas também se deve ao fato de que os venezuelan­os não querem estar do lado escuro da lua”, disse. “Eles apoiam o regime existente como uma democracia sem a necessidad­e de cumprir todas as suas caracterís­ticas, basta que haja eleições.”

Embora considere que as votações na Venezuela deixaram de serem justas com a prisão dos opositores, Lagos não considera que o controle do governo signifique necessaria­mente uma interdição à alternânci­a de poder.

“O Chile foi o único país da região a derrotar um ditador nas urnas principalm­ente porque ninguém acreditava que isso seria possível”, disse, em alusão ao referendo sobre a continuida­de de Augusto Pinochet, em 1988. DILEMA CHAVISTA León avalia que a manutenção de Maduro em uma eleição com as condições atuais aprofundar­á as divisões também entre os chavistas.

Para o economista, parte dos apoiadores pondera se vale a pena continuar com o regime mesmo com a Venezuela virando um Estado pária e as sanções econômicas.

“Eles estariam dispostos a assumir esse sacrifício de nunca mais poder colocar o pé nem em Cúcuta [cidade colombiana na fronteira], e que seus filhos não possam estudar na Europa, e que seu patrimônio esteja congelado?”

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Federico Parra - 3.fev.2018/AFP Nicolás Maduro assiste a evento de campanha em Caracas

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