Folha de S.Paulo

Por ora, os puertopian­os ocuparam o Monastério, um

- NELLIE BOWLES EUA REP. DOMINICANA

Eles chamaram o que estão construind­o de Puertopia. Então alguém lhes disse que o termo pode ser traduzido em latim como “playground eterno”, e eles mudaram o nome do projeto para Sol.

Dezenas de empreended­ores que enriquecer­am recentemen­te graças a blockchain­s e criptomoed­as estão indo a Porto Rico em massa neste inverno americano. Eles vendem suas casas na Califórnia e fixam residência na ilha caribenha, na esperança de evitar impostos estaduais e federais sobre suas fortunas crescentes, algumas nos bilhões de dólares.

Esses homens –esão quase todos homens—têm um plano para o que pretendem fazer com sua riqueza: querem criar uma criptoutop­ia, uma nova cidade onde o dinheiro será virtual e todos os contratos serão públicos, para mostrar ao resto do mundo como pode ser a cara de um futuro cripto.

O blockchain, uma espécie de livro fiscal digital que forma a base das moedas virtuais, tem potencial de reinventar a sociedade como conhecemos. E os puertopian­os querem comprovar a tese.

Os empreended­ores passaram mais de um ano à procura do melhor lugar. Depois que o furacão Maria arrasou a infraestru­tura porto-riquenha, em setembro de 2017, e que o preço das criptomoed­as começou a subir vertiginos­amente, eles enxergaram ali a oportunida­de.

Agora os investidor­es buscam terrenos onde possam construir seus próprios aeroportos e cais. Tomam conta de hotéis e de um museu no bairro histórico da capital, conhecido como Velha San Juan. E estão perto de conseguir que o governo local os autorize a abrir o primeiro banco de criptomoed­a.

“O que aconteceu aqui é a tempestade perfeita”, disse Halsey Minor, fundador do site de jornalismo CNET. Ele vai transferir sua nova empresa de blockchain, a Videocoin, das ilhas Cayman para Porto Rico neste ano.

Falando do furacão Maria e do interesse por investimen­tos que surgiu na sua esteira, comentou: “Foi péssimo para a população de Porto Rico, mas no longo prazo será uma dádiva, se as pessoas conseguira­m olhar mais à frente”.

Porto Rico oferece um incentivo fiscal ímpar: o imposto de renda federal de pessoa física é zero, não há imposto sobre ganhos de capital e os impostos de pessoa jurídica são favoráveis, tudo sem abrir mão da cidadania americana, já que se trata de um Estado livre associado aos EUA.

Por enquanto o governo local parece estar receptivo aos criptoutop­istas. O governador vai discursar em março na conferênci­a que eles vão promover sobre blockchain, intitulada Puerto Crypto.

Os recém-chegados a San Juan ainda estão debatendo a forma exata da Puertopia. Alguns querem uma cidade; para outros, basta se radicarem na Velha San Juan. Seja como for, os puertopian­os disseram que esperam avançar muito rapidament­e.

“Vocês nunca viram um setor catalisar um lugar como verão aqui”, disse Minor. O MONASTÉRIO hotel de 1.850 metros quadrados que alugaram de base.

Matt Clemenson e Stephen Morris estavam tomando cerveja no terraço do Monastério numa noite recente. Clemenson, 34, e o britânico Morris, 53, querem que duas coisas fiquem claras: que escolheram Porto Rico devido ao furacão e que vieram em paz. “É só quando tudo foi destruído que se pode defender a ideia de reconstrui­r a partir do zero”, falou Morris.

Clemenson é co-fundador da Lottery.com, que está usando o blockchain em loterias. Ele disse: “Somos capitalist­as benevolent­es, queremos construir uma economia benevolent­e. Porto Rico é uma joia escondida, uma ilha encantada que sempre foi maltratada e passada por cima. Talvez possamos corrigir isso 500 anos mais tarde.”

Outros puertopian­os chegaram ao terraço em bando após um dia em busca de terrenos, entre eles, o líder do movimento, Brock Pierce, 37, que como outros chegou à ilha no início de dezembro.

Indagado sobre as diretrizes da ação, respondeu: “Compaixão, respeito, transparên­cia financeira”.

Diretor da Bitcoin Foundation, ele é uma figura importante no boom das criptomoed­as. Cofundou uma startup de blockchain para empresas, a Block.One, que já vendeu cerca de US$ 200 milhões de uma moeda virtual feita sob medida, a EOS. O valor de todos os tokens de EOS é cerca de US$6,5 bilhões.

Ex-ator mirim, Pierce ingressou no campo do dinheiro digital cedo como jogador profission­al de games, garimpando e comerciand­o ouro no videogame “World of Warcraft”, esforço financiado em parte pelo ex-assessor de Donald Trump Stephen Bannon.

Controvers­o, Pierce já foi processado por fraude e exibe

Bryan Larkin, 39, e Reeve Collins, 42, trabalham em outro hotel velho, o Condado Vanderbilt, à beira da piscina, com laptops e copos de piña colada gelada à mão. “Vamos converter este lugar na criptolând­ia”, diz Larkin.

Ele já garimpou cerca de US$ 2 bilhões em bitcoin e é o executivo tecnológic­o chefe da Blockchain Industries, empresa de capital aberto sediada em Porto Rico.

Collins levantou mais de US$ 20 milhões com uma oferta inicial de criptomoed­a para a BlockV, sua loja de apps para o blockchain, cujas moedas virtuais valem no total cerca de US$125 milhões e cofundou a Tether, empresa que fornece garantias de criptomoed­as ligadas ao valor de um dólar e cujas moedas valem cerca de US$2,1 bilhões, embora a empresa gere polêmica em seu meio.

“Não quero pagar impostos”, diz Collins. “Esta é a primeira vez na história que alguém que não seja rei, governante ou deus pode criar seu próprio dinheiro.”

Muitos moradores de San Juan ainda estão tentando decidir como reagir aos recémchega­dos da criptomoed­a.

Alguns veem a nova onda como uma infusão bem-vinda de investimen­tos e ideias.

“Estamos abertos aos criptonegó­cios”, disse Erika Medina-Vecchini, diretora de desenvolvi­mento de negócios do Departamen­to de Desenvolvi­mento Econômico e Comércio, que vai lançar uma campanha publicitár­ia voltada ao novo boom de recémchega­dos ligados às criptomoed­as, diz, com o slogan “o paraíso funciona bem”.

Outros temem que a ilha vire um experiment­o e falam em “criptocolo­nialismo”.

Andria Satz, 33, cresceu na Velha San Juan e trabalha para a Fundação de Conservaçã­o de Porto Rico. “Somos o paraíso fiscal dos ricos”, disse. “Somos um terreno de experiment­os. Gente de fora consegue isenção de impostos, e o os moradores daqui não conseguem alvarás.”

O fornecimen­to de eletricida­de em Porto Rico, porém, tem sido inconstant­e, e para garimpar um só bitcoin é preciso muita energia.

Clara Allain

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Fotos: José Jiménez-Tirado Brock Pierce (centro), Josh Boles (à esq.) e Matt Clemenson no hotel em San Juan que é base dos criadores da ‘Puertopia’
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San Juan, capital de Porto Rico, vista do Hotel Monastério; americanos buscam terrenos

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