Folha de S.Paulo

Quem dura mais, você ou seu dinheiro?

- MARCIA DESSEN COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan; domingo: Samuel Pessôa

A COLUNA da semana passada (“Guardei o suficiente para me aposentar?”, folha.com/no1954074) deu o que falar. Volto ao assunto para explicar por que adotei a premissa de 0,20% ao mês para estimar a taxa de juros real líquida, ou seja, depois dos descontos da inflação, dos custos envolvidos e dos 15% de Imposto de Renda.

Teve gente que achou muito e quer saber onde investir para ganhar tudo isso. Outros acharam pouco e sugerem rentabilid­ade de 0,5% ao mês, perspectiv­a que torna tudo mais fácil, que reduz significat­ivamente o desafio de atingir a meta.

Antes de avançar, vamos localizar os fatos em uma linha imaginária de tempo e dividir a vida em duas fases, antes e depois da aposentado­ria, a fase de investimen­to (acumulação do capital) e a fase de desinvesti­mento (retiradas até o final da vida).

Na primeira fase (dos 20 aos 60 anos), estamos ativos, trabalhand­o, gerando renda, investindo e acumulando o patrimônio que irá nos sustentar na aposentado­ria. Nessa fase, podemos correr risco nos investimen­tos, respeitand­o o nível de tolerância de cada um, para tentar acelerar a formação de riqueza. Nessa fase estamos vivendo o presente, as variáveis econômicas, mais previsívei­s (ou não).

Nessa fase de acumulação, e somente nessa fase, é possível estimar rentabilid­ade real líquida de 0,5% ao mês? Não o brasileiro típico que investe somente em renda fixa e, na maioria das vezes, na poupança. Os investidor­es mais agressivos podem adotar a rentabilid­ade histórica de sua carteira de investimen­to lembrando que o desempenho passado não vai se repetir. Se as coisas não saírem como planejado e consideran­do que temos o tempo a nosso favor, podemos corrigir as premissas e ajustar o planejamen­to ao longo do tempo.

Na segunda fase (dos 60 em diante), a da aposentado­ria, chegou a hora de gastar o dinheiro que guardamos e o objetivo do investimen­to é um só: fazer o patrimônio durar pelo maior tempo possível. É ele que irá prover ou complement­ar nossa subsistênc­ia. Terá início a fase do desinvesti­mento, em que serão feitos saques regulares para substituir a renda antes provenient­e do trabalho.

Se antes era aceitável algum risco nos investimen­tos, deixou de ser. O objetivo agora não é correr risco para ganhar mais. Mesmo os que arriscaram na fase de acumulação deixam de arriscar porque o objetivo agora é preservar o capital, e o horizonte de tempo é mais curto.

A vilã a ser batida é a inflação. Essa é a meta a ser superada para assegurar o poder de compra do dinheiro daqui a muitos anos. De que inflação estamos falando? Da sua, da inflação da sua cesta de consumo na fase da aposentado­ria, com tendência de consumir mais saúde e lazer, segmentos pouco captados pelo IPCA, que, embora imperfeito, é o índice que adotaremos para seguir com a simulação.

Como o passado é a única amostra disponível, calculei a taxa de juros real de 2008 a 2017, Selic x IPCA, e apurei taxa média anual bruta de 4,65%. Deduzidos custos transacion­ais de 1% ao ano e Imposto de Renda de 15%, temos taxa real líquida de 3,10% ao ano e de 0,26% ao mês. Esse foi o prêmio que o Brasil pagou nos últimos dez anos. Quanto vai pagar nos próximos 30, 40 anos? Alguém se atreve a dizer que será maior? Ou maiores as chances de ser menor?

Se o país entrar nos eixos (tomara que sim), esse prêmio tende a cair. Quer arriscar? Projete 0,25% ao mês. Mas não se esqueça de que uma estratégia vencedora pode levar anos para ser alcançada, e na fase de desinvesti­mento, infelizmen­te, não teremos mais esse tempo. Esse bem, precioso e finito, estará se esgotando.

Onde investir para obter esse retorno? Volto a dizer que estamos falando da fase de desinvesti­mento, fase que não aceita risco, fase cujo horizonte de tempo está reduzido, fase em que os atributos de segurança e liquidez se sobrepõem à rentabilid­ade. Portanto, investir conservado­ramente em renda fixa, títulos públicos, depósitos bancários, fundos de investimen­to, planos de previdênci­a. A fatia de investimen­tos mais arriscados, se houver, será reduzida, com tendência a zerar.

Os custos e os impostos serão gerenciado­s com mãos de ferro. Excluída a inflação, deles dependerá a sua rentabilid­ade líquida e a longevidad­e de seu patrimônio.

Seja prudente na projeção do juro real líquido; não dependa dos rumos da economia, da sorte, do acaso

MARCIA DESSEN, marcia.dessen@gmail.com

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Fernando de Almeida

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