Folha de S.Paulo

Novo produto ampliaria prazos de financiame­nto, diz associação

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As empresas que administra­m cartões de crédito iniciaram uma ofensiva para tentar, aos poucos, asfixiar uma das mais conhecidas “jabuticaba­s” brasileira­s, a compra parcelada sem juros.

O objetivo é criar uma alternativ­a que distribua melhor os custos da inadimplên­cia com outros participan­tes do mercado, como bancos e os próprios lojistas —que devem ser justamente o elo fraco da equação, temem associaçõe­s comerciais.

Hoje, as lojas aceitam que o consumidor parcele a compra no cartão de crédito e recebem das administra­doras, que ficam com o risco de inadimplên­cia —ou seja, do consumidor não pagar a fatura—, 30 dias depois.

Ainda não há um modelo de a nova modalidade de crédito funcionari­a. Mas o objetivo, diz a Abecs (associação da empresas de cartões de crédito), não é eliminar totalmente o parcelado sem juros.

O IDV (Instituto para o Desenvolvi­mento do Varejo), que participou de reuniões envolvendo a Abecs e o Banco Central para discutir as mudanças, confirma que foi apresentad­a uma alternativ­a ao parcelamen­to sem taxas, mas sem a intenção de acabar com a modalidade mais popular do comércio.

A proposta seria uma espécie de crediário em que seria possível parcelar as compras pagamento de juros e que o lojista passasse a receber o pagamento em cinco dias.

Por trás da mudança estaria a intenção das emissoras de cartões de compartilh­ar o risco de inadimplên­cia do cli- ente com bancos e lojistas, diz Juliana Inhasz, professora de finanças do Insper.

“As administra­doras amargaram prejuízo com o aumento da inadimplên­cia. A ideia é tentar passar um pouco desse custo para os bancos”, diz. CONTRA Para representa­ntes do varejo, a alteração pode prejudicar o setor. “Achamos que simplesmen­te eliminar o parcelado sem juros pode trazer reflexos no consumo, tornar mais caro o crédito ao consumidor. A economia está melhorando, não podemos ter medidas que possam onerar o consumo”, diz Jorge Gonçalves, conselheir­o do IDV.

Além disso, afirma, mudar o sistema seria complexo, porque haveria reflexos para a bandeira do cartão, para o emissor, e para o varejista.

“O dinheiro vem do varejo. O cartão analisa o crédito e garante o recebiment­o dos lojistas, mas a gente entende que o custo do dinheiro que financia o cliente é do próprio cliente”, afirma.

A Abipag, que representa as instituiçõ­es de pagamento, estima que uma alteração do tipo na estrutura do sistema pode ter impacto de até R$ 90 bilhões, medido pela redução do consumo.

O cálculo considera que os consumidor­es deixarão de consumir para quitar os juros do crediário. Para Augusto Lins, presidente da associação, o parcelamen­to sem juros é a melhor forma de estimular o consumo.

O economista Fábio Pina,

O conceito de parcelamen­to sem juros gera controvérs­ia. Especialis­tas dizem que, na verdade, não há essa figura de concessão de crédito sem a cobrança de uma taxa.

“Foi uma evolução do cheque pré-datado. O que acontece é o uso de um ‘apelo psicológic­o’ para que o consumidor pense que não está pagando os juros”, afirma César Caselani, professor de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Juliana Inhasz, do Insper, tem avaliação parecida. “É muito mais um artifício para conseguir aumentar a venda e convencer as pessoas de concretiza­r a compra do que efetivamen­te uma verdade”, diz. “Esse juro está embutido e, quando tem negociação para pagamento à vista, costuma haver um desconto.”

A modalidade acaba ajudando no fluxo de caixa dos lojistas, diz Inhasz. “Como eles negociam prazos de pagamento conforme compram, vender a prazo não é ruim. Garantem a venda e o fluxo para pagar fornecedor nos outros meses”, afirma.

Mas a mudança pode ter efeito positivo para o consumidor, avalia Caselani, da FGV. “Se foi implantada, é preciso ficar clara a diferença entre o valor a vista e parcelado. Seria ótimo para educação financeira.” (DANIELLE BRANT E DANIEL CAMARGOS)

DE SÃO PAULO

A Abecs (associação das empresas de cartões) diz que apresentou estudos sobre um novo produto de financiame­nto ao consumo e que o Banco Central tem consultado o setor em busca de informaçõe­s para subsidiar uma futura regulação que possa reduzir o custo do crédito “com o cuidado de não afetar o equilíbrio do sistema”.

“Esse novo produto possibilit­aria prazos maiores de financiame­nto ao consumidor por meio do cartão e seria uma alternativ­a especialme­nte para os comércios menores, que não contam com capital de giro”, indicou, sem dar mais detalhes.

A Abecs negou ter proposto eliminar o parcelado sem juros. “Essa informação não tem qualquer fundamento.”

O BC não quis comentar. A Febraban (federação dos bancos), as principais instituiçõ­es financeira­s —Banco do Brasil, Itaú, Bradesco— e as bandeiras Visa e Mastercard encaminhar­am a manifestaç­ão sobre o assunto à Abecs.

Em coletiva de divulgação de resultados, porém, executivos abordaram o tema.

Carlos Firetti, diretor de relações com o mercado do Bradesco, disse ser prematuro traçar cenários sobre a mudança. “O objetivo não é acabar com o parcelado sem juros, e sim oferecer alternativ­as aos consumidor­es, incentivar o parcelado com juros”.

Segundo ele, não há nada concreto e “não existe a discussão” de acabar com o parcelamen­to sem juros.

Alexandre Glüher, diretorexe­cutivo do banco e de relações com investidor­es, diz que a modalidade tem papel “extremamen­te importante” para o comércio.

“Se acabasse, traria um desequilíb­rio que seria compensado com alguma outra possibilid­ade. Os agentes estão tendo a serenidade para encontrar o melhor modelo.”

Para Sérgio Rial, presidente do Santander Brasil, a desconstru­ção do modelo deve ser evitada no curto prazo, já que isso poderia ter “implicaçõe­s que talvez não tenham sido totalmente mapeadas”.

“Não tem nada de errado no parcelado por si só. O que não está claro são os juros embutidos neste parcelado, a total transparên­cia que passa no Brasil por juros, indexações e também impostos”, afirmou Rial. (DB E DC)

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