Folha de S.Paulo

Oxitec não soltou Aedes transgênic­os suficiente­s para proteger Piracicaba

- FERNANDO TADEU MORAES mai gene

DE SÃO PAULO

A empresa de biotecnolo­gia Oxitec, que comerciali­za mosquitos transgênic­os para combater as doenças transmitid­as pelo Aedes aegypti, liberou menos da metade do número de insetos considerad­o adequado para que Piracicaba (SP) fique protegida após o fim do contrato, que termina em maio deste ano.

Dengue, zika e chikunguny­a são transmitid­as pelo Aedes. O convênio de R$ 3,7 milhões entre a companhia e o município foi assinado em maio de 2016 para tratar 11 bairros do centro da cidade, de 400 mil habitantes.

A empresa de origem britânica utiliza mosquitos geneticame­nte modificado­s, batizados de “Aedes do bem”.

Esses insetos transgênic­os, todos machos, têm um gene que faz seus descendent­es morrerem antes de atingirem a fase adulta. Assim, ao copularem com as fêmeas selvagens, eles tornam a prole inviável. Para que o efeito da intervençã­o seja duradouro, no entanto, a técnica precisa ser aplicada corretamen­te. A Oxitec recomenda aos municípios não realizar projetos de menos de dois anos.

A justificat­iva é técnica. Dentro do ciclo de desenvolvi­mento do Aedes aegypti, formado por ovo, larva, pupa e adulto, o maior número de indivíduos está sempre no estágio de ovos.

Trata-se da fase de combate mais complicada, denominada etapa de supressão, já que os ovos podem se manter viáveis por cerca de um ano após serem depositado­s.

Nesse período de um ano, é fundamenta­l que as liberações de mosquitos transgênic­os no ambiente ocorram de forma constante e em quantidade adequada.

Documentos fornecidos pela Prefeitura de Piracicaba mostram que, de maio de 2017 (quando a fase de supressão deveria ter começa- Vigência do contrato entre a Oxitec e a Prefeitura de Piracicaba De maio de 2016 a maio de 2018 Entenda como é feito o Alteração Pesquisado­res introduzem no mosquito um gene com a receita para a produção de uma proteína que mata seus descendent­es ainda na fase de larva do) a outubro do mesmo ano, a Oxitec liberou semanalmen­te em Piracicaba menos da metade (em algumas semanas menos de um quinto) do número de mosquitos considerad­o adequado para que a área seja entregue, após o fim do contrato, com um impacto significat­ivo sobre o banco de ovos.

Dessa forma, após a interrupçã­o das liberações, a reinfestaç­ão da área tratada pode se dar em tempo muito curto. O efeito, assim, não seria muito diferente do combate realizado com técnicas mais rudimentar­es, como o uso de inseticida­s, que elimina apenas uma fase do mosquito, deixando outras, como o banco de ovos, ainda presentes na área.

Em outro documento também fornecido pela Prefeitura de Piracicaba, datado de 11 de janeiro de 2018, a Oxitec afirma que seis bairros da região central (Cidade Alta, Cidade Jardim, Clube de Campo, Nova Piracicaba, São Dimas e Vila Rezende) —onde vive mais da metade da população da área tratada— ainda “estão em fase inicial de supressão”, justamente a etapa que deveria ter começado em maio de 2017.

Portanto, ao fim do contrato, em maio de 2018, essas áreas não estarão devidament­e protegidas. NÚMEROS Nos 11 bairros da região central de Piracicaba, onde vivem cerca de 60 mil pessoas, a empresa liberou semanalmen­te, de maio a outubro, quantidade de mosquitos modificado­s entre 1,5 milhão e pouco menos de 6 milhões.

Proporcion­almente, o número de insetos soltos variou de 25 por habitante a pouco menos de 100 por habitante.

Segundo a Folha apurou, no entanto, as diretrizes da área técnica preconizam uma liberação semanal de 200 mosquitos por morador, ou seja, deveriam de ter sido soltos 12 milhões de insetos modificado­s por semana, índice só obtido em novembro.

A área do bairro Cecap/Eldorado, tratada antes da região central e que seguiu as recomendaç­ões técnicas da empresa, fornece um bom exemplo de comparação.

Na fase de supressão da área (onde vivem 5.000 pessoas), que durou aproximada­mente de maio de 2015 a maio de 2016, a liberação semanal se manteve quase todo o tempo no patamar de 800 mil mosquitos (ou cerca de 160 por habitante), chegando a picos, no verão, de 1,5 milhão de insetos (300 por pessoa).

Projetos anteriores da empresa apresentam números semelhante­s. As liberações semanais ocorridas na Ilhas Cayman, em 2010, por exemplo, variaram de cerca de 200 a 800 insetos por habitante. Em Pedra Branca (BA), em 2011, essa taxa variou de pouco mais mais de 200 a 400 mosquitos/pessoa. PERDA A pesquisado­ra da USP Margareth Capurro, especialis­ta em mosquitos transgênic­os, analisou a taxa de liberação de insetos em Piracicaba a pedido da Folha .De acordo com ela, os níveis mostrados pela empresa provavelme­nte farão com que, após o fim do contrato, o trabalho feito na cidade seja perdido em pouco tempo.

Recentemen­te, a empresa assinou convênios com as prefeitura­s de Juiz de Fora (MG) e de Indaiatuba (SP).

Margareth Capurro, que há alguns anos coordenou juntamente com a Oxitec as liberações de mosquitos transgênic­os em Jacobina e Juazeiro, na Bahia, porém, defende a tecnologia empregada pela empresa. “Ela funciona e pode ser aplicada ao protocolo integrado de tratamento, que também inclui medidas de saneamento básico, retirada manual de criadouros e uso de larvicidas, por exemplo.”

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