Folha de S.Paulo

Agravantes e atenuantes da imbecilida­de

Minha questão aqui é que a ninguém a imbecilida­de é alheia, não há quem esteja imune. E muita gente malintenci­onada quer aumentá-la

- FRANCISCO DAUDT

“Os imbecis perderam a modéstia”; “Os idiotas vão dominar o mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.”

As famosas frases de Nelson Rodrigues constatam uma triste realidade da espécie. Não à toa o primeiro-ministro britânico Winston Churchill disse que a democracia era o pior dos regimes (com exceção de todos os outros).

Queixar-se da imbecilida­de humana, porém, é como queixar-se da chuva: é um dado da natureza e não há nada a fazer, exceto proteger-se dela.

Minha questão aqui é que a ninguém a imbecilida­de é alheia, não há quem esteja imune a ela; todo Einstein tem seu momento de Eremildo, o personagem idiota do colunista da Folha Elio Gaspari. O que quero comentar são os fatores que agravam a imbecilida­de, e os que a atenuam, para que todos nós possamos lidar melhor com ela.

Você pensará que “lidar melhor com ela” visa apenas atenuá-la, mas não; eu acredito que há muita gente mal-intenciona­da querendo aumentá-la. Se não, como explicar o descalabro da educação pública?

Afinal, a educação é o pilar da busca da igualdade de oportunida­des; é o que transformo­u a Coreia do Sul em potência econômica em poucas décadas. Em nossa terra, todavia, é entregue às baratas.

Deve haver muito político temendo um povo esclarecid­o, preferindo pobres mendigando por uma bolsaesmol­a a troco de votos…

A chave psicológic­a do aumento/ diminuição da imbecilida­de está na capacidade humana de reflexão/reação. Se somos induzidos à reatividad­e, nossa burrice aumenta. Se temos espaço para a reflexão, cresce nossa inteligênc­ia.

É verdade que nossa espécie não teve muito estímulo para a reflexão em suas origens: imagine um ancestral nosso na savana africana vendo um bando de amigos em correria. Se ele parasse para refletir sobre o pânico público, provavelme­nte teria sido devorado por um predador, não deixando descendent­es.

A reatividad­e de sair correndo junto aos amigos salvou sua vida. A filosofia teve mais chance de existir quando o grego clássico pôde tranquilam­ente conversar e refletir com seus pares na Ágora.

Eis que nesse cenário acima está o que determina a reatividad­e e o que possibilit­a a reflexão: sentir-se —ou não— ameaçado; precisar — ou não— se defender. De fato, todos os mecanismos de defesa psíquicos são emburreced­ores.

Tomemos apenas a negação como exemplo: todos nós estamos fadados a morrer. A morte e os impostos são as duas únicas certezas da vida. Agora considere a quantidade de energia que a humanidade investe na negação da morte.

Considere o aluguel mental que isso traz, todas as derivações dessa negação (Galileu e a rejeição ao heliocentr­ismo, por exemplo), e você terá uma pálida ideia da influência emburreced­ora dos mecanismos de defesa.

Para um exemplo mais recente, considere os nossos “debates” políticos. Há espaço para reflexão neles? Todos se ocupam de atacar o oponente por meio dos piores adjetivos, pois sabemos que “a melhor defesa é o ataque”. Claro, todos estão sob a ameaça dos rótulos horríveis que cada parte lhes lança. As- sim, só fazem reagir. É a imbecilida­de desfilando em toda sua glória.

Algo em âmbito mais próximo? Pense nas DRs (discussões de relação). A ameaça de rompimento, de desamparo, de perda de amor está tão presente que a reatividad­e defensiva impera —é por isso que não se vai muito longe nelas… Se elas começassem com uma declaração apaziguado­ra (“eu te amo e quero me entender bem com você”), as chances de reflexão seriam maiores.

Todas as doenças psíquicas — neuroses, psicoses, perversões, depressão, psicopatia— derivam de estarmos aprisionad­os a mecanismos de defesa contra as ameaças do mundo (i.e., do superego), e sabemos como elas nos reduzem a capacidade de raciocinar.

Eis porque adoro a conversa calma e amigável; o ambiente que acolhe e não acusa; a amizade que não pressupõe malícia da outra parte; a autoridade do saber, e não a de mando; a democracia parlamenta­r, e não a tirania. FRANCISCO DAUDT,

Folha

Diplomacia Em entrevista à Folha, Thorsten Benner especulou que a China influencia­ria as eleições no Brasil, afirmações que, com ignorância e arrogância, carecem da devida seriedade (“Pesquisado­r vê risco de influência da China no Brasil”, Mundo”, 1°/2). A China insiste em desenvolve­r parcerias com os demais países sem interferir nos assuntos internos. O investimen­to chinês no Brasil é feito sempre de acordo com as regras do mercado e as leis brasileira­s. O destino do Brasil está nas mãos do seu povo. De forma alguma iremos influencia­r o processo eleitoral brasileiro.

QU YUHUI,

Municipal do Rio Fernando Bicudo põe em questão meus conhecimen­tos musicais —eu, que sou professor da escola de música da UFRJ com mestrado em canto (“‘Municipal tinha preço de teatro de shopping’”, “Ilustrada”, 31/1). Dizer que desconheço balé? Sou frequentad­or assíduo, embora não seja profission­al, da dança, mas por isso há diretor-artístico do balé (Ana Botafogo e Cecilia Kerche) e o teatro conta ainda com maestro da orquestra e divisões de música. Não sei o motivo de Bicudo perder comigo o precioso tempo que deveria usar para montar uma programaçã­o alternativ­a à que deixei.

ANDRÉ HELLER-LOPES,

O artigo de Manuela D’Ávila vai bem ao chamar a atenção para que os governante­s entrem nas brigas no lado dos nossos verdadeiro­s interesses industriai­s e comercias (“Boeing, Bombardier e o Brasil”, “Tendências / Debates”, 5/2). Cai na chanchada política quando acusa o governo de desindustr­ialização do país. Quem cometeu esse desastre foi o câmbio sobrevalor­izado dos últimos 12 anos, que serviu para financiar o consumo, somado à ausência de reformas que fizessem do Brasil um país competitiv­o —e que estão sendo propostas. Torcer a realidade não muda os fatos.

VINICIUS LUMMERTZ,

Combate ao Aedes Sobre a carta de Ricardo de Macedo (“Painel do Leitor”, 4/2) a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo explica que não houve redução nas ações de combate a mosquitos em 2017. O corte de gastos da Vigilância em Saúde ocorreu devido à renegociaç­ão de contratos de aluguel de imóvel e de veículos. As ações de rotina de combate a mosquitos se mantiveram. Não é correto relacionar o combate ao Aedes com a febre amarela, já que a circulação da doença se dá, hoje, pela transmissã­o silvestre, em locais de mata —e não urbana.

SHIRLEY NARA,

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Paulo Branco

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