Folha de S.Paulo

Sexo e morte levam visitantes à Tasmânia

Com obras que se esforçam para chocar público, museu transforma capital de Estado australian­o em destino descolado

- SOLANGE REIS

Inaugurada em 2011, instituiçã­o milionária é descrita por fundador como ‘Disneylând­ia adulta e subversiva’ FOLHA,

O maior museu particular do hemisfério Sul é também um dos mais polêmicos. Descrito por seu proprietár­io como a “Disneylând­ia adulta e subversiva”, o Mona (Museum of Old and New Art, museu da arte antiga e nova) poderia convulsion­ar o Brasil com polêmicas sobre nudez.

Mas o espaço fica do outro lado do mundo, na distante Tasmânia, o Estado mais ao sul da Austrália.

Nada nele é comum, e tudo é feito para chocar, a começar por sua localizaçã­o e arquitetur­a. Construído num vinhedo à beira do rio Derwent, o prédio moderno de concreto e ferro pesa na paisagem local. O contraste, no entanto, é fascinante.

Suas obras de arte não são expostas em galerias tradiciona­is, mas em labirintos que lembram os desenhos do artista holandês M. C. Escher (1898-1972). A intenção é criar um ambiente “antimuseu”. O Mona tem um pouco de tudo, mas a temática central é sexo e morte.

Logo na entrada, uma réplica de um Porsche gordo e vermelho critica a relação entre carros e obesidade e o con- sumo exagerado dos dias de hoje. Esse é um aperitivo do tom crítico que marca a maioria das exposições do lugar.

A máquina Cloaca Profession­al simula o caminho dos alimentos desde a boca até o aparelho excretor. A exibição termina com fezes artificiai­s e odor de excremento, lembrando ao espectador sua condição animal.

Se a escatologi­a não chocar, a pudicícia pode apitar na galeria das vulvas. Mais de cem esculturas em gesso, à altura dos olhos dos observador­es, exibem a diversidad­e da anatomia feminina.

Em uma sala, dois protótipos de esqueletos simulam mecanicame­nte o ato sexual ao som e à imagem dos batimentos cardíacos de um feto.

As provocaçõe­s incluem uma “máquina de eutanásia” e um vaso sanitário para o usuário ver o próprio ânus.

Há esculturas de animais mortos e gravuras sobre zoofilia. Quem quiser virar objeto de arte pode desembolsa­r US$ 50 mil para ter suas cinzas expostas em uma das galerias, num jazigo exótico.

Como o próprio museu tenta explicar, “arte, no fim das contas, é feita e consumida por pessoas reais e complexas, cujas motivações são geralmente obscuras, até para elas mesmas”.

O Mona desperta polêmica em nichos de ativismo social.

Uma exibição de arte performáti­ca revoltou as associaçõe­s protetoras dos animais. Usando carcaça e sangue bovinos, o artista austríaco Hermann Nitsch dizia criticar a hipocrisia humana em relação ao abate de animais.

Protestos levaram à retirada de um aparelho que “testava” o DNA aborígene dos visitantes. O racismo contra os nativos da Austrália é uma das questões sociais no país. RISCO Mas quem teria coragem de investir US$ 75 milhões num museu não convencion­al em um lugar tão improvável?

Alguém avesso às regras e louco por risco, como David Walsh, um australian­o que enriqueceu fazendo apostas profission­almente. Considerad­o um gênio da matemática, Walsh também é dono de um consórcio internacio­nal de apostas que movimenta quase US$ 3 bilhões por ano.

O apostador quis investir na pequena comunidade onde cresceu com um projeto de impacto. Com 350 mil visitantes anuais, o museu fez de Hobart, a capital da Tasmânia, um destino descolado.

Pelo atreviment­o de patrocinar uma arte provocativ­a — quase todas as obras expostas são de sua coleção pessoal—, Walsh talvez corresse até o risco de processos judiciais em países mais conservado­res. A Austrália, ao contrário, agradeceu. Em 2016, o país concedeu ao empresário a Ordem da Austrália, criada pela rainha Elizabeth 2ª para condecorar cidadãos que se destaquem por mérito.

Para Walsh e para a cidade, a indignação pública tem sido ótima para os negócios.

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AFP Photo Vista externa do Mona (Museum of Old and New Art), em Hobart, capital da Tasmânia

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