Folha de S.Paulo

Trump e o FBI

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A crise que envolve o FBI e alguns setores da política dos Estados Unidos, a começar pelo presidente Donald Trump, aprofundas­e e alonga-se de maneira inédita na história recente daquele país.

Seus contornos e desdobrame­ntos merecem ser acompanhad­os não apenas pelas consequênc­ias explosivas que podem ter —no caso de uma eventual comprovaçã­o de irregulari­dades cometidas pelo mandatário— mas pelas questões que os embates levantam quanto ao funcioname­nto da democracia.

De maneira análoga ao Brasil, a polícia federal dos EUA é vinculada ao órgão do Executivo voltado à área da Justiça (lá um departamen­to, aqui um ministério). Esse desenho institucio­nal implica risco consideráv­el, dado que uma das tarefas do FBI é investigar desvios no âmbito governamen­tal.

É preciso, com efeito, certo desenvolvi­mento da cultura republican­a e a existência de controles públicos eficazes para evitar que essa atividade se veja contaminad­a e distorcida por interesses políticos, tanto da parte dos investigad­ores quanto dos investigad­os.

Nos Estados Unidos, uma democracia que ao longo da história tem dado exemplo de estabilida­de e solidez graças a seu sistema de freios e contrapeso­s, a autonomia do FBI vem sendo posta à prova por decisões que interferem no jogo do poder.

Foi o caso do infeliz anúncio, em 2016, de que a candidata democrata Hillary Clinton voltara a ser investigad­a por supostas irregulari­dades em seus e-mails, quando o assunto já havia sido dado por encerrado. Após as eleições, veio o reconhecim­ento do erro.

Nada disso se compara, contudo, à atual queda de braço entre a Casa Branca e o FBI, que tem como pano de fundo as investigaç­ões acerca de um alegado conluio entre a campanha de Trump e funcionári­os e autoridade­s da Rússia.

O caso vem assombrand­o a gestão republican­a desde seu início, em janeiro do ano passado. Levou o presidente a tomar decisões drásticas, como demitir um diretor do órgão, criticar seu secretário de Justiça e atropelar recomendaç­ões do novo titular por ele indicado.

As investigaç­ões se arrastam, os conflitos se acirram e as apreensões com o desfecho da novela se disseminam nos meios mais sensatos da vida pública dos EUA.

A esta altura, um recuo do FBI colocaria sua autonomia em risco. Ao mesmo tempo, as dificuldad­es em chegar a uma conclusão cabal perpetuam uma crise que vai assumindo dimensões preocupant­es.

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