Folha de S.Paulo

Nelson a FHC e jovens: envelheçam!

- REINALDO AZEVEDO

É ESPANTOSO que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso esteja patrocinan­do a aventura Luciano Huck, ecoando essa patacoada de “nova política”, que nem o sociólogo nem o presidente conseguiri­am caracteriz­ar porque um amontoado de conceitos mal digeridos, vomitados nas redes sociais por oportunist­as a soldo de financiado­res sem cara, candidatos de si mesmos a pensadores. Os petistas que conheço estão em êxtase com a possibilid­ade.

Nunca censuro a vaidade alheia. Pode-se fazê-lo por vício, não por virtude. Não se é juiz moral de um vaidoso sem que se entre numa competição com ele. Mas notem: essa minha consideraç­ão diz respeito à esfera privada. No debate público, a vaidade merece nomes mais ásperos: arrogância, prepotênci­a, ilusão da infalibili­dade.

É proverbial a dita vaidade de FHC. Nunca dei bola para essa prosa. Foi, em muitos aspectos, o presidente mais importante do país. Sua obra evidencia sua agudeza intelectua­l. O livro “Dependênci­a e Desenvolvi­mento na América Latina” (1967), por exemplo, escrito em parceria com Enzo Faletto, evidenciou a fragilidad­e do aparato ideológico terceiro-mundista da Cepal (Comissão Especial para a América Latina).

Por equívoco, o título acabou integrando a lista de referência­s do “Manual do Perfeito Idiota LatinoAmer­icano”, de Plinio Apuleyo Mendoza, Alvaro Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner, que listam todas as ilusões das esquerdas do continente, sejam as moderadas, que os autores classifica­m de “vegetarian­as” —prefiro chamar de “herbívoras”—, sejam as “carnívoras”, para ficar ainda na sua terminolog­ia. Houvessem lido o livro, teriam constatado que ali estava a negação dos conceitos então firmados sobre a “Teoria da Dependênci­a”.

Para o FHC já do fim da década de 60, o capitalism­o poderia se realizar nos países ditos periférico­s. Às economias ditas “dependente­s” não estava reservado o papel de meras fornecedor­as de matéria-prima e importador­as de manufatura­dos, com um mercado consumidor local dinâmico, mas restrito —enquanto, como disse o poeta, “a terra ficava esfaimando”. Não tardou para que essa perspectiv­a abrisse uma outra: também a democracia era viável naquela periferia. Tratava-se de trincar um gigantesco edifício intelectua­l, que também era um lugar de poder nas universida­des, cujo pilar era a militância anti-imperialis­ta.

FHC operou outro rompimento importante, desta feita no terreno da disputa pelo poder. Quando candidato do Plano Real à Presidênci­a, em 1994, buscou o apoio da “velha política”, encarnada pelo PFL, para fazer as reformas modernizad­oras que a esquerda e a centro-esquerda se recusavam a apoiar. E as fez. É esse líder a surgir como a mão que balança o berço em que Huck balbucia infantilis­mos sobre política?

Notaram a armadilha? Lula não vai disputar a eleição porque impedido pela Justiça. Mas estará na urna na figura de um ungido seu. Se Huck, o “homem da Globo” (na linguagem de seus adversário­s, não inteiramen­te fantasiosa), for “o candidato de FHC” —e essa marca já está estampada nele; não sai mais—, cria-se para o PT o segundo melhor dos cenários, já que Lula, potencial vitorioso, seria o primeiro. É estupefaci­ente que, em nome da “nova política”, ele atue para reeditar um velho pacto de duelistas.

Surpreende? Há meros oito meses, o tucano defendeu a antecipaçã­o das eleições presidenci­ais, proposta que, se tornada realidade, rasgaria a Constituiç­ão e nos poria à beira do indetermin­ado. Que teoria a iluminava? Nenhuma! Era a “vanitas” a serviço da própria voz, que ecoava, no entanto, vozes bem mais poderosas. Refiro-me aos veículos do Grupo Globo, que abraçaram, como ordem unida, o “Fora, Temer”. Loucura, loucura, loucura!

É ruim perder a noção de limites. O Brasil não merece um novo confronto entre Lula e FHC, ambos como candidatos virtuais, com seus respectivo­s bonecos de ventríloqu­o.

Darei a essa turma da “nova política” o conselho que Nelson Rodrigues deu aos jovens: “Envelheçam!” Soa um tanto ridículo ter de dizer o mesmo a FHC. Mas é necessário.

É esse líder a surgir como a mão que balança o berço em que Huck balbucia infantilis­mos sobre política?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil