Folha de S.Paulo

A munição está no fim

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan; domingo:

A RECENTE decisão dos EUA de reduzir o Imposto de Renda corporativ­o colocou uma lente de aumento sobre nossa perda de competitiv­idade no palco internacio­nal, alimentand­o a ameaça nada desprezíve­l de afugentar o capital externo num futuro não muito distante.

Planejar, empregar e produzir num país em que tudo é complicado, de crédito caro e tributos elevados à burocracia pesada e infraestru­tura inadequada, se tornou atividade de risco. E poderá ficar pior, com eventos como a reforma tributária nos EUA.

O país se mantém relativame­nte bem no mapa do investimen­to estrangeir­o —é o 7º no ranking da Unctad. Mas a atrativida­de da economia está nos estertores. O cresciment­o ainda é capenga, o investimen­to, irrisório, sobretudo em infraestru­tura, a falta de inovação é chocante. E o senso de urgência é nenhum.

As economias avançadas e as emergentes aprimoram instrument­os de sedução do capital, enquanto nosso fôlego para enfrentá-las perde força paulatinam­ente. Com deficit público portentoso e dívida volumosa, crescente e financiada a juros indecentes, o Brasil não aderiu à dieta tributária global devido à carência de estratégia­s focadas no investimen­to e à visão obtusa das políticas voltadas ao incremento das conexões externas, entre outras razões.

Nos últimos anos, os sucessivos governos bancaram a aposta nos atributos que sempre atraíram capital externo: o porte do mercado interno, a posição de liderança na América do Sul e, mais recentemen­te, a avalanche de políticas setoriais sustentada­s por subsídios e incentivos que cobram um preço salgado da sociedade.

É um modelo cujo esgotament­o se acentua não só pela decisão do governo de Donald Trump mas também pela redução do Imposto de Renda das empresas em outros países. Ao derrubar a alíquota de 35% para 21%, os EUA acompanhar­am o que outras grandes economias já haviam feito desde 2000. Nesse período, segundo a OCDE, a alíquota média dos 35 países associados caiu de 32% para 24%. Estamos bem acima desse patamar, com o IR de pessoas jurídicas de até 34%.

Somem-se a isso nossas velhas e conhecidas mazelas e está formado um ambiente com potencial de afastar tanto novos investidor­es como empresas aqui instaladas. Não basta mais ombrear nossa carga tributária aos níveis praticados lá fora. É crucial, porém insuficien­te.

O desalinham­ento tributário se tornará mais ameaçador à medida que nossos vizinhos também se movimentem, a exemplo da Argentina, que reduziu a alíquota do IR das empresas de 35% para 30%, com previsão de baixar a 25% em 2020. Com ônus fiscal baixo, o Paraguai vem induzindo a migração de empresas brasileira­s para lá.

Se a atual crise fiscal já exige enorme esforço para enxugar o Estado ineficient­e, o ajuste a ser feito diante do novo cenário da competição tributária internacio­nal será ainda mais profundo.

Não somos uma ilha, como sonharam alguns, e teremos de encarar esse desafio, entre tantos que formam nosso passivo do atraso. Outro exemplo: o tratamento dado às empresas brasileira­s com operações no exterior, cujos lucros são tributados de acordo com as alíquotas aqui vigentes. É como um convite a que façam as malas e desistam do Brasil.

Se quisermos reaver o cresciment­o e alguma relevância no mundo, teremos que remover os obstáculos que nos apequenam, começando pela reforma da gestão de um Estado disfuncion­al e alheio às necessidad­es sociais e econômicas do desenvolvi­mento. E não só. País em que as empresas são sufocadas por impostos, burocratis­mo, regulações desarrazoa­das não tem futuro.

Recursos para elevar nossa competitiv­idade estão no osso; e a baixa de impostos no mundo piora a situação

PEDRO LUIZ PASSOS,

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