Folha de S.Paulo

Rio, amante querido, tá gostoso demais; Recife, prometo voltar

- DANIEL CARVALHO

Traí, admito. Tem gente que trai e nem sente, mas está aí algo com o que não consigo lidar bem. Calma, eu posso explicar. Não é nada do que você está pensando.

A paquera vem de longa data, confesso, mas agora o xaveco foi irresistív­el. Não posso colocar a culpa na bebida porque traí de caso pensado.

No máximo, posso dizer que a distância ajudou a desgastar a relação. A correria de Brasília, onde moro, ocupa a cabeça e os dias durante boa parte do ano, mas chega uma hora em que só dá para pensar em uma única coisa, e é aí que começou essa história toda de traição.

Depois de quase 20 anos de extrema fidelidade com o Carnaval de Olinda e do Recife, desta vez não houve “Voltei, Recife...” que me impedisse de trair. Fiquei com o Rio. É isso. Fui à lona, foi K.O.

Pernambuco, aquele sedutor, me queria e eu também queria ficar com ele. Mas por inalcançáv­eis R$ 1.400 ida e volta?! Que tiro foi esse? Fiquei arrasado.

Então, veio o Rio. Estava ali, como quem não quer nada, e mostrou a arma de sedução: R$ 250 ida e volta. Vai, malandra! Não tive como resistir.

A tirar pelo que tenho visto aqui no Rio —sim, já estou aqui. Cheguei chegando, bagunçando a zorra toda, amor e amante têm muitas coisas em comum: é proibido sair sem fantasia, glitter é tão essencial quanto três latinhas de cerveja a R$ 10 e, atenção senhores políticos, as críticas a vocês são constantes.

Por aqui me causou surpresa a orquestra de um bloquinho, de repente, começar a tocar um “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. É música de Carnaval? Ah, gostei da surpresa, cidade amante. Só estou comentando que é diferente. Lá em Olinda não toca isso, não.

Como é diferente para mim essa história de acordar às 6h para chegar aos melhores blocos, no máximo, às 8h. Haja disposição.

Também é bem estranho ter que chamar dudu de sacolé e ter que pegar o metrô para ir de um bloco para o outro. Em Pernambuco, você só sai do lugar se quiser ir de Olinda para o Recife.

Se não fizer questão, pode passar o dia inteiro no mesmo canto que a festa está lá, mostrando que é intermináv­el até a Quarta-feira de Cinzas. Aí a gente só dá uma esticadinh­a até o fim de semana seguinte. Não precisa acabar assim, de uma hora para a outra.

Conclusão: Rio, amante querido, estou te curtindo. Tá sendo gostoso demais. Vamos manter isso até a semana que vem, viu? Recife, Olinda, meus queridos, me perdoem. Prometo voltar. Estou com saudades. Entre confetes, serpentina­s, venho te oferecer com alegria o meu amor.

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