Folha de S.Paulo

Medo do que vou ouvir no Carnaval

- ROGÉRIO FASANO

Outro dia me perguntara­m: do que você não gostava dos 10 aos 16 anos e continua não gostando hoje?

Não é uma resposta fácil. Aquele período da vida é marcado por grandes mudanças: o primeiro porre, o primeiro beijo, o primeiro amor...

Contudo, não hesitei em responder: o Carnaval!

Sei que para 8 em 10 brasileiro­s o Carnaval é uma instituiçã­o, a grande festa brasileira, popular, autêntica e histórica.

No entanto, tenho observado o oposto disso. Imperam os blocos insuportáv­eis e temáticos, como se fossem uma real manifestaç­ão de cidadania.

Na bagunça carnavales­ca, todos estão felizes, como se participás­semos de uma nação que prospera e vai aos poucos para a frente, como se vivêssemos em um Brasil mais igual, menos selvagem, mais justo e, sobretudo, mais bem-educado.

A realidade não poderia ser mais diversa. Vemos pancadaria, desrespeit­o, uma violência que nada tem a ver com as famosas marchinhas de Carnaval, todas com muito humor e irreverênc­ia, porém delicadas. Hoje até a irreverênc­ia tem de ser agressiva, tal qual no futebol.

Fora o fato de que o ritmo na folia era antes o nosso samba ou o nosso frevo —não sou um expert no assunto e certamente cometo aqui alguma injustiça.

De todo modo, esses, pelo menos, são os ritmos que deveriam ser ouvidos neste período do ano. Carnaval nada tem a ver com o rock, por exemplo, assim como o vôlei de praia nada tem a ver com os Jogos Olímpicos.

Aliás, para mim, esporte olímpico não é jogo, tem a ver com recordes. Afinal, já assistimos aos outros esportes o ano inteiro; nas olimpíadas quero ver natação, atletismo até arremesso de dardos.

Voltando ao Carnaval, hoje é assim: bloco do rock, do sertanejo, do funk e por aí vai.

Podem me chamar de saudosista, retrógrado etc., mas adoro um samba (“Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala/ Você era a favorita onde eu era mestre-sala/ Hoje a gente nem se fala...”).

Pois é: “hoje o samba saiu, lalalalá, procurando você...”. O Carnaval é uma grande festa, mas muito menos genuína do que já foi um dia.

Voltando ao primeiro parágrafo destas mal traçadas linhas, digo que não gostava de Carnaval aos 10 anos, pois tinha medo de multidão; hoje, não gosto por medo do que vou ouvir...

Reconheço o Carnaval das escolas de samba como uma das festas mais lindas que vi na vida. Com o resto, porém, não me identifico. Mas, enfim, como cantou João Gilberto, “para que discutir com madame”. ROGÉRIO FASANO,

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