Folha de S.Paulo

ANÁLISE Por ora, Brasil está fora da rota da substância

- CLÁUDIA COLLUCCI

Enquanto os EUA enfrentam uma epidemia de mortes causadas pelo uso de opioides e a Inglaterra viu dobrar a mortalidad­e por overdose de heroína nos últimos cinco anos, o Brasil parece passar incólume pelo abuso dessa substância.

Algumas hipóteses explicam a razão disso. A primeira delas é que estamos entre os países com as menores taxas de prescrição de opioides do mundo.

Segundo estudo publicado em 2015 no periódico científico “Journal of Pain Research”, o Brasil tem um consumo de 7,8 mg de opioides (como morfina) por pessoa por ano, quando a taxa “ideal” é quase 25 vezes esse número.

Ocorre que, por uma série de burocracia­s para a prescrição desses medicament­os, preconceit­o e até falta de segurança do médico, os brasileiro­s têm pouco acesso a essas drogas.

Se por um lado isso nos “protege” contra o uso abusivo da substância, por outro faz com que muitos doentes terminais morram com dor.

Curiosamen­te, o consumo de opioides é um dos componente­s do IDH (Índice de Desenvolvi­mento Humano) de um país. Quanto maior a utilização, maior é o IDH. Isso significa que a dor está sendo tratada e que as pessoas têm mais qualidade de vida. Em 2015, um terço dos americanos recebeu prescrição para usar opioides, segundo dados do governo federal dos EUA.

Mas isso pode mudar. Ano passado, uma comissão criada pela gestão Donald Trump defendeu que os médicos criem novas formas de tratar os cerca de 100 milhões de adultos americanos que sofrem de dor crônica.

A experiênci­a americana mostra que o consumo de opioides legais (como fentanil, metadona e oxicodona) leva muitas pessoas à dependênci­a. Quando já não conseguem a droga com prescrição médica, acabam buscando a heroína, que tem efeitos parecidos.

O Brasil também não tem grandes problemas com a heroína porque muito raramente a recebe.

Um das explicaçõe­s é que o tráfico se utiliza de rotas comerciais estabeleci­das para distribuir as drogas. E como há um número reduzido de rotas entre Brasil e Ásia (de onde a droga é originada), ela nunca foi muito disseminad­a por aqui.

O alto preço também é outro fator que inibe o comércio. Estima-se que um grama de heroína custe em torno de U$ 150 (R$ 490). Já uma pedra de crack é vendida por cerca de R$ 10 na cracolândi­a, no centro de São Paulo.

Maior mercado mundial de crack e o segundo de cocaína, o Brasil está longe de uma situação confortáve­l em relação à dependênci­a química.

Mas neste momento em que os EUA vivem uma emergência em saúde pública causada pelo abuso de opioides, não deixa de ser um alívio o país estar fora do mapa desse vício.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil