Folha de S.Paulo

Está em curso uma revolução industrial instigante mas assustador­a que não entra na agenda da política

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Mathias Alencastro; quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi

ROUBO FRASE desta semana do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa: “Não podemos querer uma economia 4.0 com políticos 2.0”. Vale para Portugal, vale para a União Europeia (o gancho para o discurso do presidente), vale para o Brasil, talvez ainda mais.

Com uma única ressalva: suspeito que a maioria dos brasileiro­s acha que os políticos da terra não são nem 2.0. Talvez sejam 0.0.

No discurso do qual roubei a frase, Marcelo falava sobre as implicaçõe­s do que se costuma chamar de quarta revolução industrial e dizia que não adianta estar sempre a falar de inovação e tecnologia com uma classe política do século passado.

O pior é que, no Brasil, não são apenas os políticos que são século 20 (alguns, até anteriores), mas também a agenda.

Reforma da Previdênci­a, por político nos últimos muitos meses, é um assunto que já deveria ter sido encerrado no século passado.

Mais: por necessária e até indispensá­vel que seja uma reforma previdenci­ária (a que está na pauta ou alguma outra melhor), o fato é que ela não vai preparar o país para o que o presidente português chamou de economia 4.0.

Essa revolução tem, claro, seu lado luminoso, mas também apresenta perigo, como relatado em “World Post”, boletim semanal publicado em parceria por “Washington Post” e Instituto Berggruen: “Na medida em que o desemprego se reduz e a pressão para o aumento salarial sobe na era do capitalism­o digital, a automação do trabalho por máquinas inteligent­es vai se acelerar. Isso, em contrapart­ida, reforçará uma tendência já em andamento: o divórcio entre emprego e produtivid­ade e criação de riqueza. A desigualda­de então se aprofunda na medida em que a riqueza se concentra por assim dizer, enquanto aqueles que só têm o trabalho para vender crescentem­ente se esfalfam para conseguir uma renda para viver por meio de bicos precários”.

Esse é apenas um dos ângulos da economia 4.0. Eu adoraria que a academia brasileira e os institutos de estudos dos partidos promovesse­m debates como o que está agendado para terça-feira (13) pelo Royal Institute of Internatio­nal Affairs, mais conhecido como Chatham House, em Londres.

Chama-se “Capitalism­o sem capital - A ascensão da economia intangível”. e desenvolvi­mento— do que em ativos tangíveis, como maquinaria, prédios e computador­es.

O título do debate foi tirado de livro recente lançado por Jonathan Haskel e Stian Westlake (os dois debatedore­s), no qual chamam a atenção para o fato de que a ascensão de ativos intangívei­s é “uma das causas pouco analisadas de fenômenos como desigualda­de econômica ou estagnação da produtivid­ade”.

Nada disso entrou na pauta dos políticos brasileiro­s. Não merecem portanto nem o rótulo de “políticos 2.0”. Vamos ficar mais e mais para trás.

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