Folha de S.Paulo

Há sinais ruins também. A deterioraç­ão na prestação de serviços públicos e a instabi-

- JOÃO PEDRO PITOMBO

DE SALVADOR

Depois de dois anos de forte queda, a arrecadaçã­o de tributos nos Estados começou a dar sinais de reação em 2017. Levantamen­to feito pela Folha com base em relatórios de execução orçamentár­ia e gestão fiscal dos 26 Estados e do Distrito Federal aponta que, entre janeiro e dezembro de 2017, a receita obtida com tributos alcançou a cifra de R$ 462 bilhões.

Trata-se de uma recuperaçã­o tênue —cresciment­o de apenas 0,43% em relação aos R$ 460 bilhões arrecadado­s no ano anterior. O resultado também não foi uniforme.

Entre os 27 entes da federação, 14 registrara­m aumento de receita em relação ao ano anterior. O resultado dos outros 13 cresceu abaixo da inflação e, portanto, tiveram perda de receita.

Ainda assim, o resultado foi recebido com alívio, porque estanca dois anos de quedas de receita —2015 e 2016. AVANÇO A melhora, em muitos casos, foi fruto de um trabalho de ajuste dos governos estaduais, e não uma mera resposta ao fim da recessão.

Entre os Estados que mais avançaram proporcion­almente estão Amapá, Piauí e Amazonas. Em números absolutos, o destaque foi Minas Gerais —um dos mais atingidos pela crise fiscal.

Para incrementa­r as receitas, eles buscaram alternativ­as como firmar parcerias público-privadas que levassem as empresas a investir.

O Piauí, por exemplo, mirou no setor de energia limpa para usinas eólicas e fotovoltai­cas. “Buscamos aquecer a economia local para arrecadar mais, já que não temos segurança em relação às transferên­cias federais, que oscilaram negativame­nte”, diz o secretário de Administra­ção do Piauí, Franzé Silva.

O Estado também montou um comitê que acompanha mensalment­e a evolução das despesas correntes (gastos com pessoal e custeio da máquina). E aprovou uma versão local da lei do teto de gastos da União, na qual o avanço das despesas não pode ultrapassa­r a inflação.

Em geral, os Estados fizeram uma leve redução nas despesas correntes. Ao todo, os 26 Estados e o Distrito Federal diminuíram os gastos de R$ 704,3 bilhões em 2016 para R$ 702,4 bilhões no ano passado —retração de 0,27%.

Os dados mostraram que o corte nos investimen­tos, que tradiciona­lmente é o principal instrument­o de ajuste, bateu no limite. Os aportes totalizara­m R$ 32,3 bilhões em 2016 e foram de R$ 32,5 bilhões no ano passado, consideran­do as 27 unidades da Federação. Em 2014, o volume investido pelos Estados ficou perto de R$ 70 bilhões, em valores corrigidos. SALÁRIOS PARCELADOS RN PI AM AC PR TO SC MS PE MA BA RR PB RS GO RJ RO ES SE MT SP CE AL DF PA MG 4,161 2,895 7,372 1,221 29,861 2,898 14,097 5,888 14,995 6,611 21,791 0,855 3,901 33,368 12,561 32,468 3,485 6,979 2,481 7,104 152,079 12,354 4,098 15,257 11,383 52,718 4,583 3,096 7,800 1,285 31,277 2,978 14,358 5,984 15,179 6,690 21,982 0,858 3,914 33,417 12,549 32,379 3,474 6,924 2,457 7,026 150,277 12,196 4,043 14,779 10,979 50,666 NO VERMELHO Estados que estouraram limites da Lei de Responsabi­lidade Fiscal Gasto com pessoal Maior proporção em relação à receita corrente líquida (Executivo), em % 64,73 lidade no funcioname­nto da máquina estatal mostram que o ambiente fiscal ainda é delicado e inspira a realização de reformas e ajustes duros.

Destacam-se Mato Grosso, Roraima e Rio Grande do Norte, que passaram a integrar o rol dos que atrasam ou parcelam salários.

O Rio Grande do Norte enfrenta problemas graves na segurança pública e na infraestru­tura hídrica. Os policiais militares entraram em greve 57,37 54,99 53,86 49,89 49,73 no fim do ano passado e ficaram duas semanas sem ir às ruas. Além dos salários atrasados, eles reclamaram da falta de equipament­os e veículos sucateados.

Em Mato Grosso, a crise afeta os serviços de saúde. Hospitais filantrópi­cos chegaram a interrompe­r as atividades pedindo a regulariza­ção dos pagamentos e um aumento nos aportes do governo estadual.

O Estado normalizou os repasses, 49% Limite máximo mas não os ampliou.

Mato Grosso também aprovou uma lei do teto de gastos, vedou novas contrataçõ­es de pessoal —com exceção para caso de vacância— e está negociando alongar o prazo de dívidas.

“Estamos tomando uma série de medidas para qualificar o gasto, que hoje é um problema enfrentado em todo o Brasil”, diz o secretário da Fazenda, Rogério Gallo.

Estados como Roraima, 200% Limite máximo Acre e Tocantins viram os gastos com pessoal no Poder Executivo dispararem. Os três agora fazem parte do clube dos Estados com gasto acima do limite máximo previsto na LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal), ao lado de Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro.

Outros sete ultrapassa­ram o limite prudencial em gasto com pessoal e estão sujeitos a penalidade­s da LRF, como deixar de receber recursos federais não obrigatóri­os. REAÇÕES Por outro lado, Estados que sentiram a crise mais cedo, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, esboçam reações.

O governo do Rio, por exemplo, começou a pagar os salários atrasados dos servidores após conseguir um empréstimo de R$ 2,9 bilhões.

No Rio Grande do Sul, professore­s estaduais retomaram as aulas após terem ficado mais de três meses em greve.

Os governos gaúcho e fluminense, contudo, seguem bastante endividado­s —continuam como os dois únicos Estados que ultrapassa­ram o limite máximo de endividame­nto previsto na Lei de Responsabi­lidade Fiscal, equivalent­e a 200% da receita corrente líquida.

Com uma aposentado­ria líquida de R$ 680, a auxiliar de enfermagem aposentada Mariá Casa Nova, 67, diz não receber o suficiente para pagar aluguel, luz, telefone e remédios —do coração, para ela, e contra o Alzheimer, para o marido—, que são distribuíd­os gratuitame­nte na rede estadual, mas cuja falta se tornou rotina durante a crise.

Seu gasto fixo mensal é de R$ 922, diz a aposentada. Com a conta telefônica atrasada, seu celular está impedido de fazer chamadas. A renda familiar é complement­ada pela aposentado­ria do marido e também com os bicos que passou a fazer.

Mariá vende comida na rua, em Niterói, região metropolit­ana do Rio, e contou com a solidaried­ade de amigos para tocar o dia a dia. Como seu caso se tornou conhecido, recebeu ajuda até de estranhos.

Um homem do interior de São Paulo quitou-lhe dois meses de aluguel. E um servidor do Corpo de Bombeiros comprou-lhe a ceia de Natal deste ano, com bacalhau, peru e azeite.

“Recebi muita ajuda de pessoas que eu nem conheço. Esse servidor bombeiro me liga todo mês perguntand­o se preciso de algo”, diz.

Mesmo que sua aposentado­ria já esteja em dia, as dificuldad­es permanecem porque ela ainda não conseguiu pagar as dívidas que contraiu durante a crise.

A situação dela é um retrato dos problemas vividos por servidores. Muitos entraram na crise já com dívidas de empréstimo­s consignado­s. “Tivemos relatos de pessoas que pela primeira vez estavam com nome sujo e sem conseguir pagar suas dívidas”, diz.

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Ricardo Borges - 12.dez.16/Folhapress Servidores durante manifestaç­ão em frente à Assembleia Legislativ­a do Rio, em 2016

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