Folha de S.Paulo

Sapucaí recebe hoje primeiro dia de desfiles do ‘Carnaval da crise’

Escolas de samba do Rio enfrentam corte de verbas e distanciam­ento mantido pela gestão Crivella

- LUIZA FRANCO

Agremiaçõe­s ainda têm que lidar com a perda de interesse do público pela festa; Mangueira fará crítica ao prefeito

Se algum ano merece o título de “Carnaval da crise na Sapucaí”, esse ano é 2018. Crises de identidade e financeira. Após difíceis 12 meses para as escolas de samba do Grupo Especial, elas vão para avenida neste domingo (11) reagindo ao que a comunidade do samba interpreta como ataque do prefeito Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, ao Carnaval.

De quebra ainda têm que lidar com a perda de interesse do público pela festa.

Em algumas escolas, a defesa vem na forma de ataque. Este ano terá a maior safra de enredos de cunho político dos últimos tempos.

Quem assumiu a linha de frente do embate, dando nome ao “inimigo”, foi o carnavales­co Leandro Vieira, da Mangueira, que decidiu fazer um enredo intitulado “Com Dinheiro Ou Sem Dinheiro Eu Brinco”, desafio ao corte de subvenção das escolas feito pela prefeitura.

A Mangueira foi a única escola de samba carioca a assumir frontalmen­te uma oposição à gestão municipal.

Diante do que vê como um distanciam­ento do público dos desfiles, Vieira acredita que a saída seja falar de cultura popular. No ano passado, falou de fé; neste ano, falará do próprio Carnaval, mas o de rua, com blocos em carros alegóricos e referência­s a tradições como os bate-bola, nome pelo qual são conhecidos os foliões que tomam os subúrbios do Rio com uma algazarra de gritos, fogos de artifício e o som de bolas se chocando contra o asfalto.

Não houve reação tão veemente a Crivella da parte de nenhuma outra escola, mas nas entrelinha­s dos enredos, há cutucadas.

A Beija-Flor, por exemplo, vem com um samba que parece endereçado ao prefeito: “Estenda a mão meu senhor/ Pois não entendo tua fé/ Se ofereces com amor/ Me alimento de axé/ Me chamas tanto de irmão/ E me abandonas ao léu/ Troca um pedaço de pão/ Por um pedaço de céu”, diz o refrão.

O enredo, um paralelo entre o romance de terror “Frankenste­in” (1818), da escritora Mary Shelley, que completa 200 anos em 2018, e o momento do Brasil, vai trazer vários elementos de crítica política e social. Alguns estão num plano mais genérico, como um rato representa­ndo políticos, outros, mais específico­s ao Rio de Janeiro da crise, como o violência urbana, o sucateamen­to da rede de saúde e de educação.

A esperança da escola é que temas engajados atraiam um público mais jovem, que vem migrando nos últimos anos para o Carnaval de rua.

Mirando Brasília e o histórico escravocra­ta do país, a pequena escola Paraíso do Tuiuti, que só entrou para o Grupo Especial em 2017, vai lembrar os 130 anos da Lei Áurea (1888), que extinguiu a escravidão no Brasil, com críticas à reforma trabalhist­a aprovada na gestão do presidente Michel Temer (MDB).

Num tom menos combativo, mas ainda em diálogo com o contemporâ­neo, a Portela, atualmente comandada pela carnavales­ca Rosa Magalhães, contará uma história de moral pacifista e falará sobre imigração. ESCOLHAS Essas escolhas podem ser uma tentativa das escolas de samba de restabelec­er contato mais próximo com o público, no ano mais difícil para a venda de ingressos na história da Liesa (Liga Independen­te das Escolas de Samba do Ri), como reconheceu à Folha seu diretor de vendas.

Entre as pessoas que acompanham e refletem sobre Carnaval, há um consenso de que elas vêm se afastando de suas bases há décadas.

Neste ano, as escolas não puderam fazer ensaios técnicos, pois a Liesa disse não ter verbas, o que também colaborou para distanciar as agremiaçõe­s de foliões.

A solução para algumas das escolas de samba foi fazer ensaios nas ruas, como a BeijaFlor e a Imperatriz Leopoldine­nse. Apenas Mocidade e Portela, as campeãs de 2017, foram autorizada­s a fazer ensaios técnicos na Sapucaí.

A questão da segurança é outro fator de incerteza na Sapucaí. Depois de um Carnaval em que acidentes em duas escolas deixaram uma pessoa morta e 35 feridas, a Sapucaí está desacredit­ada também do ponto de vista da esperança de um desfile sem risco aos componente­s. As regras de fiscalizaç­ão dos carros continuam as mesmas de sempre.

Uma mudança é que a Sapucaí vai ter uma versão da Lei Seca para motoristas de carros alegóricos. Os agentes da Lei Seca farão o teste do bafômetro nos condutores dos carros alegóricos e informarão à Liesa se os motoristas têm condições de dirigir ou não. A sanção ao condutor alcoolizad­o caberá à organizaçã­o do evento decidir.

Aumenta as incertezas sobre como será este Carnaval o fato de que neste ano as escolas correram contra o tempo mais do que de costume. As dúvidas sobre liberação de verbas públicas —tanto municipais quanto federais, estas que foram prometidas, mas não vieram— e uma interdição por parte do Ministério do Trabalho encurtaram o tempo de trabalho. ‣ 22h20

São Clemente

‣ 23h25

Unidos de Vila Isabel

‣ 0h30

Paraíso do Tuiuti

‣ 1h35

Acadêmicos do Grande Rio

‣ 2h40

Mangueira

‣ 3h45

Mocidade Independen­te de Padre Miguel

 ?? Luciola Villela - 4.fev.2018/UOL ?? Ensaio da Mocidade, uma de duas escolas que puderam usar o sambódromo antes da festa
Luciola Villela - 4.fev.2018/UOL Ensaio da Mocidade, uma de duas escolas que puderam usar o sambódromo antes da festa

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