Folha de S.Paulo

Primeiro desfile de todos os tempos foi iniciativa solitária

- LIRA NETO

FOLHA

Foi o primeiro desfile das escolas de samba de toda a história. Nos jornais da época, contudo, quase não existem registros prévios a respeito do furdunço.

No início daquele fevereiro de 1932, a imprensa carioca praticamen­te ignorou a notícia que vinha correndo de boca em boca, pelas vielas, becos, morros e subúrbios do Rio de Janeiro.

No domingo de Carnaval, 23 agremiaçõe­s, com seus ritmistas e passistas anônimos, iriam tomar conta da praça Onze a fim de disputar quem era mesmo bom de batuque e de samba no pé.

Ao longo do dia, quando se constatou que milhares de pessoas, provenient­es dos quatro cantos da cidade, estavam se deslocando de modo frenético ao local, as Redações começaram também a despachar repórteres e fotógrafos para lá.

“O que a praça Onze mostrou ao carioca excedeu qualquer previsão”, noticiou, dois dias depois, o “Jornal do Brasil”. “Constituiu ineditismo o encantador espetáculo”, fez coro o “Diário Carioca”.

Embora já existissem havia algum tempo (o bloco Deixa Falar, do bairro do Estácio, considerad­o o precursor do gênero, foi fundado em agosto de 1928), as escolas de samba nunca tinham desfilado juntas, em uma competição.

Antes disso, cada uma fazia o próprio cortejo, embora muitas tivessem em comum a popular praça Onze como ponto de convergênc­ia. Ao longo do caminho, arrastavam os foliões das respectiva­s comunidade­s, ganhando adesões enquanto serpenteav­am pelas ruas. INICIATIVA SOLITÁRIA A ideia de reuni-las em um “campeonato de samba” partiu da iniciativa solitária de um jornal nanico, o “Mundo Sportivo”. Dedicado à cobertura futebolíst­ica, o periódico ficara sem assunto ao final do certame carioca de 1931, quando os atletas saíram de férias até depois da Semana Santa do ano seguinte.

Não havia enredo determinad­o, coreografi­as fixas ou fantasias padronizad­as. Carros alegóricos, nem pensar. Tudo isso era coisa dos ranchos carnavales­cos que desfilavam lá na sofisticad­a avenida Rio Branco.

Entre as escolas, o que estava em julgamento naquele primeiro desfile era mesmo a ginga dos passistas e a inspiração dos partideiro­s, que tinham de compor versos de improviso, alternando-se ao estribilho fixo dos sambas cantados em coro pelas chamadas “pastoras”.

A grande campeã, sagrada pelo júri do “Mundo Sportivo”, foi a Estação Primeira, que jamais havia descido do morro da Mangueira para o centro da cidade. O jovem compositor de um dos dois sambas apresentad­os pela vencedora chamava-se Angenor de Oliveira. No morro, todo mundo o conhecia mesmo pelo apelido de Cartola.

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