Folha de S.Paulo

Incentivan­do a competição, dando mais informação para

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Folha - A ANS chegou à maioridade. Quais os principais avanços e entraves a serem enfrentado­s?

Leandro Fonseca - Houve uma evolução muito grande desde a criação da ANS. Antes, a operadora podia limitar o número de consultas, dizer que cobria doença renal, mas não cobria hemodiális­e, podia limitar número de internaçõe­s hospitalar­es. Isso mudou muito. Muitas operadoras, antes da ANS, coletavam mensalidad­es das pessoas e depois fechavam as portas e sumiam com o dinheiro. Com a regulação, o mercado foi sendo saneado, induzindo a uma gestão mais prudente dos recursos. O processo está em curso, o setor ainda está passando por transforma­ções. O país vive uma escalada de ações judiciais contra planos e muitas delas são por procedimen­tos não incorporad­os pela ANS. Como a agência pretende lidar com isso?

Nesse debate, está faltando uma discussão mais qualificad­a sobre o que está sendo judicializ­ado. Quando tem uma obrigação contratual e a operadora não cumpre, essa é uma judicializ­ação devida.

Agora, se estamos falando de um tratamento experiment­al, às vezes sem aprovação, ou que não está rol, esse processo de judicializ­ação é perverso para o sistema, tira recursos que poderiam ser mais bem realocados na assistênci­a. Porque alguém paga a conta, isso vai para a mensalidad­e do plano de saúde. Reajustes abusivos aplicados pelas operadoras respondem por boa parte dessa judicializ­ação. Isso não é falha de regulação da ANS?

Reajustes de planos acima da inflação são um fenômeno mundial. O envelhecim­ento da população, a incorporaç­ão de novas tecnologia­s, tudo isso leva a um encarecime­nto dos serviços de saúde.

Em um cenário de crise econômica, em que a população perdeu emprego, o plano e ainda assim a operadora precisa fazer reajuste, é contra qualquer lei da economia.

Se você diminui a demanda, precisaria diminuir o preço para manter o cliente. Mas na saúde isso não é possível porque a variação de custos é expressiva. Como contornar isso?

Deve ser normatizad­o já neste primeiro semestre de 2018 uma maior flexibilid­ade na portabilid­ade de carências. Hoje o usuário só pode migrar de um plano para outro em um determinad­o período do ano. Dois meses antes e dois meses depois da data do aniversári­o do plano.

A gente deve acabar com a janela, permitir ao longo do ano. Também permitir a portabilid­ade entre planos coletivos desde que sejam equivalent­es. Isso são normas para competição, boas para o consumidor. Se não está satisfeito com o reajuste, com os serviços, muda de operadora.

Outra norma que deve sair neste ano é sobre coparticip­ação e franquias. A ideia é engajar o consumidor no processo decisório do tratamento dele. À medida que ele tem que contribuir para aquele determinad­o tratamento, passa questionar mais na relação com o médico: ‘vem cá, isso é efetivamen­te necessário?’ Parte do custo em saúde tem a ver com desperdíci­o e má gestão das operadoras. E quem paga a conta é o usuário. O que a agência pode fazer sobre isso? E por que isso acontece?

Os empregador­es sabem que precisam fazer e que estão se sentindo mais pressionad­os agora, com o valor dos planos aumentando. Mas dizem que não tem know-how, não sabem como fazer.

Nos EUA, na crise de 2008, a gente viu que o grande problema da GM [General Motors] foi o plano de saúde, que pesava muito e eles estavam perdendo produtivid­ade.

Aqui no Brasil há estudos que apontam que os planos de saúde representa­m mais de 11% das despesas na folha salarial. Isso afeta a produtivid­ade da economia como um todo. Tanto que nos EUA grandes empresas já começam a fazer a autogestão da saúde dos funcionári­os [Amazon, Bekshire Hathway e JP Morgan anunciaram a criação de uma empresa sem fins lucrativos para conter gastos com planos de saúde].

O financiame­nto da saúde, seja a pública ou a privada, é um debate que está faltando no país e é tão importante quanto o da Previdênci­a.

Do mesmo jeito que tem altos reajustes de planos, tem demanda por mais recursos do SUS. Os motivos são os mesmos, envelhecim­ento, novas tecnologia­s. Como vamos dar mais saúde à população? Cobrar mais impostos? Ninguém mais aguenta. Pagar mais mensalidad­e de plano? Ninguém mais aguenta. Há desperdíci­os e incentivos no setor de hospitais e laboratóri­os que impulsiona­m essa inflação médica. Por que a ANS não regula esse setor?

Deixo pra você perguntar para os legislador­es brasileiro­s sobre esse assunto (risos).

Você tem razão. A grande dificuldad­e hoje é engajar o prestador de serviço nessa preocupaçã­o de variação de custos. Muitas prestadora­s estão partindo para a verticaliz­ação [comprando diretament­e da indústria produtos mais caros, como órteses e próteses]. Mas esse é o caminho? Não sei. A ANS foi criticada pelas entidades de defesa do consumidor por ter aprovado a proposta dos planos populares. O que o sr. pensa sobre isso?

A leitura do relatório permitiu a conclusão ao gosto de quem estava lendo. Algumas entidades de defesa do consumidor têm um viés muito pró judicializ­ação. Minar a regulação, minar a ANS favorece o viés pró judicializ­ação. Há uma crítica de que a ANS defende mais os interesses dos planos do que dos consumidor­es. Isso procede?

Como qualquer órgão público, a ANS está aberta a críticas. Mas precisamos fazer o filtro. É uma crítica que cabe? Qual o interesse que está por trás de quem fez a crítica?

Qualquer agência reguladora sempre tem um pouco dessa visão de que protege os interesses do mercado e não do consumidor. O que a gente precisa muito melhorar é a comunicaçã­o. Outra polêmica é o reajuste de planos para os idosos. Como torná-lo sustentáve­l?

Uma das soluções possíveis no setor privado é uma poupança de saúde. Nos EUA isso está crescente e tem se mostrado uma das soluções do financiame­nto à saúde das pessoas mais idosas.

Ou seja, é feita uma poupança ao longo do tempo e quando a pessoa se aposenta e tem uma perda natural de renda, teria ali uma poupança para pagamento dos custos dele com saúde privada. Já existe um projeto de lei sobre esse assunto no Brasil e isso precisa voltar à luz.

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