Histrionismo joga filme no filão da cinebiografia comum
FOLHA
“Geralmente, as pessoas amam a Tonya ou não a curtem muito. Assim como amam a América ou não a curtem muito. Tonya era totalmente americana.”
A primeira fala de Diane Rawlinson, treinadora que estimulou a patinadora a se superar, revela a principal ambição de “Eu, Tonya”: seguir os cânones da cinebiografia e procurar vencer as limitações do gênero, reconstituir os principais passos de uma personagem exemplar e também apontar algo muito comum, um mau-caráter nacional.
A ideia de supremacia, que caracteriza o percurso vitorioso da atleta até tomar um grande tombo, simboliza a autoimagem proclamada por Ronald Reagan, cujo governo coincide com o da ascensão de Tonya Harding aos pódios nos anos 1980. A imagem ressurgiu, caricaturizada, na
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“América grande outra vez” de Donald Trump.
Sinal claro do diálogo com o presente é ainda a ênfase dada às origens da protagonista num meio “redneck”, a população interiorana branca e empobrecida que foi um dos pilares da vitória de Trump.
Apoiado nas similitudes entre os dois períodos, o roteiro de Steven Rogers é estruturado de modo a não isolar a moral duvidosa da história no passado, neutralizando-a.
O trabalho de edição, que concorre ao Oscar, privilegia esse aspecto montando um zigue-zague de tempos que cria um ritmo excitante. Essa escolha narrativa também ajuda a alimentar o interesse por uma história que parte do público já conhece.
Outra vantagem é não representar a protagonista como um caso único, mostrando-a cercada de personagens negativas, como a mãe abusiva, o marido espancador e o segurança sem noção. - Atriz (Margot Robbie) - Atriz coadjuvante (Allison Janney) - Montagem
Tonya tem uma personalidade tosca não apenas por natureza, mas em grande parte por influência da estreiteza mental de seu ambiente.
Apesar desses sinais, que o distinguem das cinebiografias tradicionais, o filme se filia a esse padrão ao priorizar o trabalho histriônico do elenco.
Os desempenhos de Margot Robbie e Allison Janney são a safra 2018 daquelas atuações maiores do que o papel e que todo ano aparecem nas indicações ao Oscar.
Assim, a história da patinadora perde sua força irônica à medida que as personagens são infladas pelas atrizes até explodirem como caricaturas.
Se a escolha permite recontar a história com muito humor, falta ao diretor Craig Gillespie a verve absurda dos irmãos Coen para produzir um retrato tão nonsense como real da América. (I, TONYA) DIREÇÃO Craig Gillespie ELENCO Margot Robbie, Sebastian Stan, Allison Janney PRODUÇÃO EUA, 2017, 14 anos QUANDO estreia na quinta (15) AVALIAÇÃO regular