Folha de S.Paulo

Quanto pior, melhor

- MAURICIO STYCER

“O OUTRO Lado do Paraíso” chega ao capítulo 100 na próxima quintafeir­a (16) ostentando números de audiência impression­antes. Os dados do Ibope indicam que já é o melhor desempenho de uma novela das 21h da Globo desde 2013, podendo alcançar, se seguir crescendo, o resultado de “Avenida Brasil”, exibida entre março e outubro de 2012.

Nos últimos anos, houve sinais de que o principal produto da Globo estava em crise. “Em Família”, em 2014, foi a primeira novela do horário a registrar média geral, em São Paulo, abaixo de 30 pontos: ficou com 29,6 (cada ponto, em 2018, equivale a 201 mil indivíduos).

Outras quatro novelas nos últimos três anos também ficaram abaixo dessa marca simbólica. O pior resultado foi o de “Babilônia” (2015), média de 25,45 pontos. Em março de 2017, ao fim de “A Lei do Amor” (média de 27,16), quem olhava para os números imaginava que um novo patamar de audiência, mais modesto, havia sido estabeleci­do.

Veio, então, “A Força do Querer”, o drama realista de Gloria Perez sobre a mulher de um traficante de drogas de uma favela carioca, perseguida por uma policial exemplar, incorruptí­vel. A trama contava ainda com boas histórias paralelas, como a da jovem de classe alta que vivia um processo de transição de gênero.

A audiência deu um salto. Exibida entre abril e outubro de 2017, a novela terminou com média de 35,7, elevação de mais de 8 pontos em relação ao folhetim anterior.

Walcyr Carrasco pegou esses bons números e os levantou ainda mais com “O Outro Lado do Paraíso”. Os resultados do Ibope até agora projetam uma audiência final entre 38 e 40 pontos. O que explica isso?

A reposta mais imediata seria que o público aprecia o conteúdo especialme­nte rocamboles­co, apelativo e grosseiro que é oferecido, em doses cavalares, na atual novela.

“O Outro Lado do Paraíso” mistura o humor básico, com bordões, de programas como “A Praça É Nossa” com dramas encenados sem sutileza alguma, que lembram atrações vespertina­s como “Casos de Família”. Pairando sobre tudo isso, há uma história de vingança calcada no mais popular clássico do gênero, o folhetim “O Conde de Monte Cristo”. A combinação letal tem como resultado o que os brasileiro­s, orgulhosos da teledramat­urgia nacional, chamariam de “novela mexicana”.

Se essa for mesmo a explicação para o bom Ibope, não se trataria de uma descoberta nova —a história da televisão brasileira é repleta de episódios que mostram o sucesso da programaçã­o de baixo nível.

Um fator que não pode ser ignorado neste biênio 2017-18 é a crise econômica. A TV aberta é a forma de lazer mais barata que existe. Segundo o Ibope, o número de aparelhos de TV ligados alcançou o seu maior patamar no ano passado.

Ao mesmo tempo, a TV paga perdeu 938,7 mil assinantes (ou 5% do total) em 2017. O setor regrediu a números de outubro de 2013 —cerca de 17,85 milhões de assinantes. Ao final de 2016, eram 18,79 milhões.

A principal explicação que as operadoras de TV paga oferecem para essa retração seria a crise econômica. Ao menos, essa é a justificat­iva registrada no momento do cancelamen­to de assinatura­s. A pirataria, em resposta, cresce em períodos como esse. Por outro lado, as empresas não enxergam impacto dos serviços de streaming (Netflix à frente) nesse resultado negativo. mauriciost­ycer@uol.com.br

Trama sem sutileza e crise econômica ajudam a explicar salto de audiência na novela das 21h da Globo

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