Folha de S.Paulo

CRÍTICA Crítica à burguesia se perde em autorrefer­ências

‘Baal.Material’, da Cia. Les Commediens Tropicales e do Quarteto à Deriva, mescla peça de Brecht e obra de Warhol

- PAULO BIO TOLEDO AVALIAÇÃO

FOLHA

A cenografia da peça “Baal.Material” faz uma releitura da obra “Brillo”, de Andy Warhol. São centenas de caixas de uma mercadoria produzida em série e cujo nome resplandec­ente passa do original Brillo para Baal. Uma dessas caixas destaca-se das outras na composição. Ela fica em primeiro plano, envolvida por uma redoma de vidro.

“Baal”, a peça de juventude de Bertolt Brecht sobre um ser meio abjeto e meio anárquico que recusa todas as normas sociais, aparece então inscrita no cenário, associada à ideia de forma-mercadoria e, ao mesmo tempo, como um objeto sacralizad­o pela instituiçã­o das artes.

O cenário evidencia que a peça “Baal” é o ponto de partida e também o alvo do espetáculo da Cia. Les Commediens Tropicales em parceria com o Quarteto à Deriva. O termo “material” no título, aliás, remete ao trabalho dramatúrgi­co de Heiner Müller, para quem “usar Brecht sem criticá-lo é traição”.

No caso de “Baal”, além de destacar o violento machismo do protagonis­ta, o grupo identifica um paradoxo: a força insubmissa da personagem-título de Brecht estaria contida por uma estrutura dramatúrgi­ca e teatral que a reprime.

“Baal.Material” apresenta o impasse sem se eximir dele. Em cena, os atores usam uma betoneira para misturar cimento, esse material maleável, mas que prenuncia sua ruim regular iminente solidifica­ção. A máquina e o produto soam como uma metáfora da arte no mundo burguês. Durante a peça, o ator que mais se associa à figura de Baal (Rodrigo Bianchini) banha-se com o cimento e termina o espetáculo dentro da redoma de vidro. Alguém diz: “Ninguém está fora da ordem. Estamos dentro. É o que nos resta”.

Assim como Warhol reproduz imagens de mercadoria­s para supostamen­te criticar o mundo que as produz, o grupo defende o mergulho na crise como forma de enfrentá-la. Como se somente a vivência radical dos impasses da arte possibilit­asse a superação.

Contudo, esse “insight” artístico é constituíd­o de uma série de expediente­s repisados da hermética cena contemporâ­nea: microfones, fumaça pelo palco, monólogos desconecta­dos, fragmentaç­ão, atuação performáti­ca. Recursos que mais ecoam o mundo caótico que vivemos do que o criticam propriamen­te, tal qual a pop art de Andy Warhol.

E, se o espetáculo começa como exame dos impasses da arte no mundo burguês, ele termina como uma mal disfarçada celebração das suas escolhas estéticas. Uma espécie de manifesto de si mesmo. QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h; até 18/2 ONDE Galpão do Folias, r. Ana Cintra, 213, tel. (11) 2122-4001 QUANTO grátis CLASSIFICA­ÇÃO 14 anos AVALIAÇÃO regular

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Christian Piana/Divulgação ‘Baal.Material’, espetáculo inspirado em Brecht e Warhol

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