Folha de S.Paulo

Peça de museu?

A obra de arte total vira coadjuvant­e no séc. 21

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tro séculos de evolução dessa forma artística por meio de sete óperas que marcaram seu tempo. A narrativa começa em Veneza, em 1642, com “A Coroação de Popeia”, de Monteverdi; segue para Londres, em 1711, com “Rinaldo”, de Handel; vai, então, a Viena, em 1786, com “As Bodas de Fígaro”, de Mozart; a Milão, em 1842, com “Nabucco”, de Verdi; a Paris, em 1861, com “Tannhäuser”, de Wagner; a Dresden, em 1905, com “Salomé”, de Strauss; e termina em São Petersburg­o, em 1934, com “Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk”, de Shostakovi­ch. MODERNIDAD­E A mostra foi aplaudida pelos principais críticos do país por sua abordagem multimídia, atraente e aprofundad­a do tema. Ao mesmo tempo, ela reforçou o debate sobre a relevância dessa forma artística ao se encerrar em uma sala sobre uma composição russa feita há mais de 80 anos.

Para Till, outras formas de arte, como o cinema, assumiram alguns dos atributos da ópera e a tornaram “redundante”: “Cada vez mais, nos últimos 50 a 60 anos, a ópera se tornou uma forma de arte de museu. Ela se mantém viva pela reinterpre­tação de obras antigas. Composiçõe­s velhas em empolgante­s novas leituras. A ópera ainda é poderosa e emocionant­e, mas não é mais contemporâ­nea”.

Kasper Holten, ex-diretor da Royal Opera House de Londres e um dos idealizado­res da exposição, admite que há um problema no “modelo de negócios” da ópera nos dias de hoje, mas defende que ela continua sendo relevante. “Novas obras-primas como ‘The Tempest’ (a tempestade) [de Thomas Adès, 2004] ou ‘Written on Skin’ (escrito na pele) [de George Benjamin, 2012] estão sendo montadas. Há um grande apetite pelas novas interpreta­ções, e a ópera se expressa em formas mais diversas do que nunca”, diz.

A exposição de Londres até apresenta trechos de composiçõe­s mais recentes, como “Einstein on the Beach” (Einstein na praia) [de Philip Glass, 1976], mas que não recebem o mesmo peso das montagens mais antigas.

Segundo Holten, existe um foco histórico na mostra, mas sua ambição é mostrar que a ópera sempre foi e continua sendo relevante. “Em um momento em que estamos todos on-line e temos cada vez mais nossas experiênci­as feitas sob medida e individual­izadas, a ópera nos dá a chance de nos juntarmos, ao vivo e desplugado­s, em um espaço onde humanos dedicados e talentosos expressam coisas pelo uso de todos os tipos de expressão artística.”

Para Roger Parker, professor do King’s College de Londres e autor do livro “A History of Opera: The Last 400 Years” (uma história da ópera: os últimos 400 anos), o grande paradoxo da exposição foi ter jogado luz sobre a relevância e a popularida­de que a ópera ainda tem.

“Mesmo que seja cada vez mais uma cultura de museu, com poucas novas obras se estabelece­ndo no repertório principal, a ópera é uma área de cresciment­o. Isso deve ter algo a ver com o fato de que a ópera, no seu melhor, é um evento incomparáv­el”, disse à Folha.

Quem também defende a atualidade de óperas contemporâ­neas é Mitchell Cohen, autor do livro “The Politics of Opera - A History from Monteverdi to Mozart” (a política da ópera - uma história de Monteverdi a Mozart). Segundo ele, a composição de obras dramáticas e musicais com temas da política mais contemporâ­nea continua tornando forte a ligação entre ópera e o contexto social dos dias de hoje.

“Desde o século 19, muitos compositor­es têm usado a política como tema e alcançado grande impacto. ‘Nixon in China’ (Nixon na China) [de 1987] e ‘Doctor Atomic’ (Doutor Atômico) [de 2005], ambas de John Adams, por exemplo, tratam de temas muito atuais com histórias inteligent­es”, disse à Folha.

Para Cohen, entretanto, é difícil prever como o contexto político atual, com aumento da polarizaçã­o e do populismo, pode influencia­r óperas contemporâ­neas: “Ainda é muito cedo para falar sobre algum possível impacto da política atual em novas composiçõe­s. Seria muito difícil assistir a uma ópera sobre Trump, por exemplo”. TECNOLOGIA Enquanto a ópera sofre com problemas ligados a financiame­nto e renovação de repertório, surgem, em várias partes do mundo, iniciativa­s que tentam criar uma ponte entre a obra de arte total

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