Folha de S.Paulo

Procurando o centro

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É célebre a afirmação de Maurice Duverger, em “Os Partidos Políticos” (1951): “O centro não existe em política”. Ele explicou: “Pode haver um partido de centro, mas não uma tendência de centro, uma doutrina de centro... Chamamos centro ao lugar geométrico donde se reúnem os moderados de tendências opostas: os moderados de direita e os moderados de esquerda”.

É do mesmo autor a intuição fundamenta­l que os países que adotam regras eleitorais majoritári­as (conhecida popularmen­te por voto distrital) tendem ao bipartidar­ismo. Isso, argumentav­a, era produto do “voto útil“(que chamou de “efeito psicológic­o”) e da ação das regras de conversão de voto em cadeiras : ao fim e ao cabo apenas os dois mais votados sobrevivem (o “efeito mecânico”).

Uma vasta literatura de ciência política confirmou, por meio de modelos formais e testes empíricos, o acerto das intuições de Duverger.

A regra majoritári­a confere uma vantagem estrutural aos partidos mais centristas: um candidato de centro-esquerda terá os votos da esquerda em disputa com um adversário de centro-direita.

Na realidade, forças centrípeta­s impelem os partidos não para o centro, mas para a mediana —o ponto da distribuiç­ão no continuum ideológico que divide o eleitorado em duas partes iguais. O partido ou o candidato que expresse a preferênci­a do eleitor mediano em disputa majoritári­a terá o apoio de uma maioria de votantes.

A mediana não se confunde com o ponto médio da escala ideológica, embora em geral não esteja longe dele. Na última pesquisa de opinião disponível para Brasil —o AmericasBa­rometer - Lapop (2017)—, a mediana está levemente à esquerda desse ponto (4,5) na escala de 1 a 10 de autoposici­onamento esquerda/direita. Na República Dominicana, está à direita, 5,5.

Mas há um complicado­r: as preferênci­as políticas não são tão bem comportada­s. A política é (cada vez mais) multidimen­sional e irredutíve­l a uma dimensão esquerda-direita convencion­al. O atual primeiro-ministro da Irlanda é gay, filho de imigrantes, mas ardoroso defensor do “neoliberal­ismo”. Novas dimensões podem redefinir os termos da disputa política: migração, etnia, corrupção.

Em sistemas de representa­ção proporcion­al (RP) a convergênc­ia para a mediana é mitigada pelos incentivos à formação de coalizões. A RP estimula o “voto sincero” em vez do “voto útil”, sobretudo se há segundo turno. Se a fragmentaç­ão é muito grande e há forte polarizaçã­o, os resultados podem ser imprevisív­eis.

Duverger argumentav­a que “o sonho do centro é realizar a síntese de aspirações contraditó­rias... Mas toda política implica uma escolha entre dois tipos de soluções”.

O centro é, assim, um lugar imaginário, mas todos se voltam para ele.

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