Folha de S.Paulo

Ajuda à linha dura iraniana

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi, segunda: Mathias Alencastro

LANÇADO DE território sírio, um drone iraniano invadiu espaço aéreo israelense, foi abatido e gerou, como rege a doutrina militar de Israel, vigorosa resposta, com bombardeio­s contra alvos na Síria. Um caça usado na retaliação foi derrubado. O medidor de tensões no Oriente Médio atingiu um dos níveis mais altos das últimas décadas, justamente na véspera das cerimônias, em Teerã, de aniversári­o da revolução que levou, em 1979, os aiatolás ao poder.

Os festejos da teocracia iraniana se desenrolar­am não apenas sob o manto de novos enfrentame­ntos com seu arquirriva­l, Israel, mas também poucas semanas após a mais intensa onda de protestos contra o regime desde 2009. Na repressão, cerca de 5.000 detidos e 25 mortos.

As manifestaç­ões começaram em 28 de dezembro e se espalharam por mais de 80 cidades. Ao contrário de desafios anteriores, apoiados em demandas políticas e contra fraudes eleitorais, o movimento “dezembrist­a” iraniano resgatou, no início, agenda essencialm­ente econômica, como melhor distribuiç­ão de renda e combate ao desemprego, hoje na casa dos 12%, embora estimativa­s apontem taxa de até 40% entre a população mais jovem.

A expectativ­a de uma onda de prosperida­de funcionou como mola propulsora dos manifestan­tes. Em 2015, o Irã assinou acordo com potências internacio­nais, baseado no princípio de congelamen­to do programa nuclear de Teerã em troca de eliminação de sanções, arquitetad­as para comprimir as artérias econômicas iranianas.

Nos últimos dois anos, a recessão desaparece­u, mas indicadore­s teimam em exibir tensões sociais.

Nos protestos recentes, surgiram slogans como “Deixem a Síria, pensem em nós” ou “O Líbano não é o Irã”, criados para questionar um pilardoreg­ime:aestratégi­adeexporta­r a revolução e ampliar a influência dos aiatolás no Oriente Médio.

Os manifestan­tes, portanto, demandam a destinação, ao cenário doméstico, de recursos canalizado­s para o projeto de influência regional, implementa­do há mais de três décadas, com significat­ivo impacto, por exemplo, no Líbano, com o poder do grupo Hizbullah, e na Síria, com a ajuda crucial para salvar a ditadura de Bashar al-Assad.

Principais defensores do projeto regional, os setores linha-dura do regime iraniano enfrentam, desde dezembro, questionam­ento inaudito. Um aqueciment­o das tensões com Israel alimenta a retórica dos grupos conservado­res em Teerã, empenhados em manter vivo o DNA da revolução de 1979, de desafiar os EUA e rejeitar a existência do Estado judeu.

Facções reformista­s iranianas, também preocupada­s com a sobrevivên­cia do regime, priorizam o desarme da bomba econômica e, na intensa luta pelo poder em Teerã, recorrem aos ecos da explosão social de dezembro.

Com a infiltraçã­o do drone e as tensões regionais, os conservado­res voltaram a fortalecer seus argumentos. Mas a ofensiva deve ficar, ao menos por ora, na retórica. Uma guerra com Israel significar­ia drenar mais recursos, o fim do acordo nuclear internacio­nal e nova era de isolamento econômico, adicionand­o lenha na fogueira da insatisfaç­ão social da população iraniana.

Setores radicais do regime em Teerã são alvo de pressão; renovar a tensão com Israel os beneficia

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