Folha de S.Paulo

Não me ofenderia ver alguém fantasiado de mim

Arrisco dizer que seria uma honra cruzar com uma ala inteira vestida de ‘mãe solteira segurando três boletos’

- MARCELLA FRANCO

FOLHA

Soltaram a lista das fantasias proibidas neste 2018. Eu, que alguns anos atrás caminhava vestida de coelho da Duracell pelas ruas da cidade, com minha pilha gigante nas costas, fiquei preocupada que a família dos leporídeos esteja até hoje chateada comigo, porque me apropriei culturalme­nte dos costumes deles ao fazer uso de um rabo de algodão e bigodes cor de rosa.

De modo que, publicamen­te, peço perdão aos coelhinhos que possa ter ofendido então, bem como às espanholas que insultei involuntar­iamente quando vesti aquela saia de babados nas ladeiras de Olinda uma década atrás, ou mesmo todos os homens —portuguese­s ou não— que porventura aborreci ao colar um bigode no buço e dizer que me chamava Joaquim.

Foi tudo em nome da folia, e compreendo que, às vezes, com a cabeça cheia de adrenalina, purpurina e codeína (recomendo, potenciali­za o efeito do paracetamo­l), posso ter tomado atitudes precipitad­as e ferido o código nacional de conduta carnavales­ca. Desculpa, mil vezes desculpa.

Daí que, depois do mea culpa, passei a avaliar quais opções me restam, utilizando apenas o que há no meu armário, porque, depois que precisei queimar aquele cocar verdadeiro de trezentos temers que pretendia calçar no domingo, sob o risco de provocar a fúria nos pataxós caso fosse para o bloco com ele, me recuso a gastar dinheiro comprando novos adereços.

Será que zangarei os unicórnios se arriscar um chifre na cabeça? Tudo bem botar umas conchas nos peitos e fingir ser uma sereia, ou corro o risco de enfurecer Ariel e seus descendent­es?

Falando sério, parece que o problema está apenas em referencia­r pessoas que de fato existem —unicórnios e sereias estão nessa categoria, ao menos quando tomo a codeína—, e que o ideal seria escolher “plantas”, diz a cartilha. Poxa, que ótimo, estava mesmo me perguntand­o quando poderia estrear minha fantasia de bonsai.

Posso estar enganada, mas acho que não me incomodari­a em topar, no meio da multidão no largo da Batata, com foliões trajando costumes que fizessem menção a alguma das categorias nas quais me encaixo socialment­e. Estou cuspindo para cima ao dizer, por exemplo, que tudo bem se alguém escolher a fantasia de “mãe solteira segurando três boletos”?

Duvido. Arrisco dizer, inclusive, que seria uma honra para minha pessoa. Imagina cruzar com uma ala inteira de amigos vestidos de “nome sujo no Serasa”? Pense na identifica­ção imediata, a emoção de se ver retratada e homenagead­a —não tem preço.

Portanto, vistam seus trajes de “paciente de endometrio­se infiltrati­va crônica”, ou de “mulher traumatiza­da na infância com reflexos até a vida adulta”, “a louca dos gatos”, “portadora de celulite grau três no culote”, “jornalista classe média que fecha o vidro no farol fechado”.

Me glorifique­m, me condecorem, que o Carnaval é bem mais divertido para quem sabe ser leve e rir na frente do espelho.

 ??  ?? Da esq. para a dir., Gabriel Zanelatto, 23, Ludmila Abramov, 26, Victor Lutte, 30 e Alix Duvernoy, 32, fantasiado­s no bloco Boi Tolo, que desfilou no centro do Rio neste domingo (11)
Da esq. para a dir., Gabriel Zanelatto, 23, Ludmila Abramov, 26, Victor Lutte, 30 e Alix Duvernoy, 32, fantasiado­s no bloco Boi Tolo, que desfilou no centro do Rio neste domingo (11)

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