Folha de S.Paulo

Juros, mitos e fatos

Futuro presidente do Bradesco dá contribuiç­ão bem-vinda ao admitir ganho dos bancos com taxas elevadas; governo precisa zelar pela competição

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Há mistificaç­ão de sobra nos ataques políticos aos juros brasileiro­s e às despesas do governo com o serviço de sua dívida.

A partir de uma leitura equivocada, quando não movida por má-fé, dos números do Orçamento, propaga-se o mito de que os encargos financeiro­s consomem quase a metade dos dispêndios federais —ou R$ 1,1 trilhão no ano passado, equivalent­es a inacreditá­veis 16% do Produto Interno Bruto.

De acordo com teorias conspirató­rias à esquerda e à direita, as elevadas taxas decorreria­m de conluio entre os políticos e os banqueiros. Nas fantasias de setores mais devotos do PT, o impeachmen­t de Dilma Rousseff seria uma reação das elites às tentativas da ex-presidente de reduzir os montantes pagos aos credores do Tesouro Nacional.

É evidente que muitos fatos precisam ser deixados de lado para se acreditar em tais teses.

Para início de conversa, se o Banco Central realmente fixasse taxas acima do necessário apenas para favorecer o setor financeiro, a inflação estaria próxima de zero há duas décadas —afinal, o papel da política monetária é influencia­r o ritmo de alta dos preços.

Ademais, os encargos da dívida pública atingiram picos de mais de uma década no ano de 2015, na gestão de Dilma Rousseff, e estão em queda sob Michel Temer (MDB).

Isso considerad­o, tampouco se pode negar que os juros brasileiro­s constituem uma anomalia com poucos paralelos no mundo, a desafiar os estudiosos do assunto. Provavelme­nte não chegam a meia dúzia os países cujos governos gastam mais de 5% do PIB ao ano com o serviço de sua dívida.

Acrescente-se que vivemos processo preocupant­e de concentraç­ão bancária, em que somente quatro instituiçõ­es (duas delas estatais) respondem por mais de 70% do mercado —e que as taxas cobradas de consumidor­es e empresas permanecem astronômic­as.

Nesse sentido, é bem-vinda a contribuiç­ão de Octavio de Lazari Júnior, recém-escolhido para presidir o Bradesco. Em entrevista a esta Folha, o executivo reconheceu que os bancos ganham com os juros altos e terão de aprender a operar num ambiente de percentuai­s mais civilizado­s.

Isso implica democratiz­ar o crédito, hoje direcionad­o, no mais das vezes, ao setor público e a uma minoria de grandes clientes.

Da parte do governo, há que buscar medidas capazes de estimular a competição, como o cadastro positivo —além, claro, de conter a inflação e ajustar suas contas.

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