Folha de S.Paulo

A história na câmara de gás

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SÃO PAULO - Parlamento­s são pródigos em aprovar leis inúteis e até contraprod­ucentes. E, se há um campo em que essa tendência se torna uma certeza, é a história. Quando Legislativ­os se metem a determinar como fatos históricos devem ser interpreta­dos, só fazem besteira.

O exemplo mais recente é o da norma polonesa que pune com multa e prisão por até três anos “quem declare, publicamen­te e contrariam­ente aos fatos, que a Nação Polonesa ou a República da Polônia é responsáve­l ou correspons­ável pelos crimes nazistas cometidos pelo Terceiro Reich”.

Para começar, a norma é epistemolo­gicamente impossível. Nenhuma lei é capaz de dar conta da complexida­de da história. A relação dos poloneses com os judeus, cheia de nuances e reviravolt­as, é matéria para vários livros. A Polônia foi, entre os séculos 10 e 18, um dos países mais tolerantes da Europa (foi por isso que atraiu tantos judeus). Depois, foi um dos que mais promoveram “pogroms”.

Durante o nazismo, houve tanto poloneses que arriscaram a vida protegendo judeus como os que os entregaram aos algozes germânicos, às vezes participan­do da matança. Foram particular­mente chocantes os assassinat­os de judeus que tentaram voltar para casa depois da guerra, mas foram mortos pelos antigos vizinhos que se apossaram de seus bens.

Em segundo lugar, a norma é estrategic­amente tola. Se a meta dos legislador­es poloneses era evitar lembranças incômodas, a lei chama a atenção para elas.

Por fim, a norma é democratic­amente inaceitáve­l. Ela tenta reescrever a história e o faz tolhendo a liberdade de expressão.

A regra é tão inadequada que só faz sentido se a pensarmos como um tributo do governo ao crescente nacionalis­mo dos poloneses. E ideologias de cunho nacionalis­ta, convém lembrar, é o que está na origem dos crimes que o Parlamento polonês quer agora mitigar. helio@uol.com.br

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