Folha de S.Paulo

Cidade para as pessoas

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Em meio a tanta notícia ruim, os paulistano­s têm algo para comemorar: a consolidaç­ão do carnaval de rua e o avanço no fechamento do Minhocão para os automóveis. Em ambos os casos, ganha força a concepção de que o espaço público é das pessoas.

São resultados de um processo de disputa sobre a cidade que queremos. A tese de que a cidade deve ser das pessoas, e não dos automóveis, é defendida há décadas por urbanistas como Jane Jacobs, Jan Gehl e Jeff Speck. Mas, no Brasil, custou a ganhar força, pois a ideologia da violência e a desigualda­de geram muros e espaços públicos desertific­ados.

São Paulo inovou com o PDE (Plano Diretor Estratégic­o) de 2014 e com políticas públicas nele inspiradas, que apontam para uma nova cultura urbana. Quando a prefeitura dá continuida­de a essas propostas, bons resultados aparecem, como no Carnaval e no Minhocão.

O PDE estabelece­u que o elevado, uma excrescênc­ia viária, deve ser desativado para o tráfego até 2029 e que uma lei definiria seu destino entre a transforma­ção em parque ou o desmonte.

Lei de iniciativa do Legislativ­o, sancionada por Doria, consolidou a transforma­ção do Minhocão em parque, ampliou sua abertura para as pessoas (62% do tempo) e deu prazo de dois anos para a prefeitura elaborar um PIU (Plano de Intervençã­o Urbana) para a área.

Equivocada­mente, o prefeito vetou a possibilid­ade de desmonte. Além de ilegal (está prevista, como possibilid­ade, no PDE), essa alternativ­a não pode ser descartada de antemão, devendo ser estudada e debatida no PIU.

Assim como no Minhocão, o carnaval de rua, com sua diversidad­e e liberdade, aponta para uma cidade aberta para as pessoas e para a cidadania.

Regulament­ado em 2014 pela Secretaria Municipal de Cultura, o modelo do carnaval de rua se baseia na participaç­ão livre, voluntária e gratuita dos foliões. Venda de abadás, acesso privilegia­do por cordas e toda forma de discrimina­ção social e econômica são proibidas.

Esses princípios, baseados na cidadania cultural, levaram São Paulo a ter um dos maiores carnavais do país.

A prefeitura deve garantir a infraestru­tura e organizaçã­o. Patrocínio­s, que há três anos eram difíceis, são bem-vindos, mas não podem descaracte­rizar o caráter cultural da festa nem transformá-la em um negócio.

Nesse sentido, é preocupant­e a proposta, anunciada pelo prefeito, de criação de um circuito de Carnaval, à semelhança de Salvador, onde o acesso é pago.

O cresciment­o do carnaval de rua exige um novo salto de organizaçã­o, seja para pactuar os conflitos entre moradores e blocos, seja para enfrentar os problemas que o gigantismo da festa criou. São desafios que uma cidade para as pessoas precisa equacionar.

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