Folha de S.Paulo

Direitos em quadra

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O gênero é uma construção social ou uma realidade biológica? Qual deve ser sua expressão jurídica? Entidades privadas estão obrigadas a aceitar a definição que a Justiça estabelece­r para a vida civil? Questões como essas tornam fascinante o caso Tifanny.

Transexual, Tifanny Abreu destaca-se hoje como atacante no voleibol feminino atuando pelo Bauru. Algumas jogadoras se queixam de que ela é mais forte do que a média e questionam se isso não configura vantagem indevida.

Há quem proponha a adoção de limites máximos para casos como esse e mesmo quem fale em sua exclusão da liga feminina.

Já aí começam a emergir algumas respostas às perguntas iniciais. Para além das construçõe­s culturais, existem diferenças biológicas reais entre homens e mulheres —mais visíveis na parte física, mas não restritas a ela; ainda que de forma mais sutil, ocorrem também nas esferas cognitiva e comportame­ntal.

Tifanny só iniciou sua transição sexual aos 28 anos. Embora hoje não apresente níveis elevados de hormônios andrógenos, seu corpo, particular­mente o sistema muscular e esquelétic­o, se desenvolve­u como o de um homem. Ela tem, por isso, força e explosão acima dos padrões das colegas.

É possível, sim, que isso lhe proporcion­e alguma vantagem, embora não se devam desconside­rar outros motivos para seu sucesso. De todo modo, resta responder se essa eventual vantagem justifica algum controle adicional, dado que as entidades esportivas já estabelece­m parâmetros para os níveis hormonais dos atletas.

Em princípio, não. Tifanny, afinal, obteve na Justiça direito de ser considerad­a mulher. Seria necessária uma razão muito forte para que a decisão judicial, abarcando em tese toda a vida civil, não valesse nas quadras.

Ademais, inexistem sinais de que transexuai­s venham a invadir as competiçõe­s femininas, como sugerem as teses mais alarmistas. Por ora, o caso deve ser tratado à luz dos direitos humanos —e com o melhor espírito esportivo.

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