Governo quer mediação para não ter de pagar R$ 65 bi à Petrobras
Contrato assinado na gestão Lula permite questionar se estatal deve ou tem a receber do governo
Gestão Temer quer usar dinheiro de megaleilão para pagar a empresa, mas companhia diz ter direito a explorar área
O governo pretende resolver em até dois meses um impasse com a Petrobras para fazer um megaleilão de pelo menos R$ 76 bilhões ainda neste ano e já consultou a AGU (Advocacia-Geral da União) sobre uma possível arbitragem. Com a disputa entre os interessados, no entanto, o negócio poderia render mais de R$ 90 bilhões.
Embora exista disposição para um acerto, o governo tende a resolver o assunto como uma questão de Estado. Do outro lado, a Petrobras não fechará acordo caso enfrente resistência de acionistas minoritários, que já avaliam a questão e podem embolar a negociação se ela for danosa à estatal.
O assunto divide técnicos e ministros de Fazenda, Planejamento, Minas e Energia e Casa Civil. A ideia preferida no momento é convencer a Petrobras a ceder espaço para concorrentes nos campos do pré-sal onde, segundo contrato de 2010, tem o direito de exploração até 2050.
A Folha ouviu representantes de todas as partes. De acordo com eles, o contrato, assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi “tão malfeito” que permite até que a Petrobras questione se é credora ou devedora.
Ele foi concebido em um momento em que a estatal precisava aumentar seu capital para fazer frente a pesados investimentos na exploração do pré-sal. Como não tinha recursos, a União deu 5 bilhões de barris para a Petrobras explorar em seis campos do pré-sal na bacia de Santos, para evitar sua diluição acionária. Seria a contrapartida da União na capitalização da companhia.
No entanto, explorações da Petrobras indicaram que esses campos podem gerar excedentes de até 12 bilhões de barris —7 bilhões a mais do que o concedido pela União.
O contrato previa renegociar valores segundo a evolução do preço do petróleo. Como a cotação caiu desde a assinatura, em 2010, a estatal avalia ter direito a compensação —estima-se que ela seria de cerca de R$ 65 bilhões.
A equipe econômica quer leiloar esse óleo excedente e, com os recursos, pagar a Petrobras. Estimativas iniciais apontam que a transação poderia render pelo menos R$ 76 bilhões, em valores atualizados. O governo acredita que a disputa possa trazer mais de R$ 90 bilhões.
Outra ideia é indenizar a estatal com uma parte do óleo e leiloar a diferença.
Ambas as propostas agradam o Ministério de Minas e Energia. Porém, há no governo quem defenda que esse óleo excedente pertence à União e poderia ser leiloado à revelia da Petrobras. Outros dispositivos contratuais poderiam, para integrantes do governo, resultar em saldo a receber da estatal, hipótese que ela considera inaceitável.
Na prática, isso significa que, nos campos onde a estatal hoje explora, ela passaria a contar com empresas concorrentes que dariam lances bilionários para fazer o mesmo trabalho.
Seria como se a União tivesse alugado uma casa para a Petrobras em 2010 e, hoje, estivesse obrigando a estatal a conviver com mais moradores sem dividir o aluguel.
Uma das certezas que a Petrobras considera ter é o direito de explorar esses campos até 2050. Por isso, caso o governo opte pelo leilão colocando mais empresas operando nesses campos, terá de negociar com a companhia.
Pessoas que acompanham as conversas afirmam que isso seria possível desde que os concorrentes façam uma parceria comercial ou operacional com a Petrobras —o que, por decisão da estatal, ocorreu em outros campos.
Para a União, essa opção, ainda segundo os técnicos, reduziria o valor dos lances num possível leilão. DESFECHO O governo quer resolver em dois meses o impasse. A ideia é chegar a um consenso ao menos sobre o principal.
As outras pendências criadas pelas lacunas do contrato seriam resolvidas via arbitragem privada, mas a AGU quer mediar a disputa porque afirma se tratar de empresa cujo controlador é a União.
Dentre esses pontos estão desde datas de comercialização do petróleo dos campos até cotas de conteúdo local. Cada ponto em aberto significa bilhões a pagar ou a receber. Só a decisão sobre se caberá ou não correção monetária envolveria a cifra de R$ 10 bilhões.
O presidente da Petrobras, Pedro Parente, já disse que não assinará contrato algum se a estatal não for credora.