Carnaval como conhecemos está morto, viva o Carnaval
mentários de outros moradores no elevador. E recebeu uma advertência.
A carta, entregue aos condôminos, aconselha a “evitar constrangimentos, evite circular com trajes de banho e pijamas ou sem camisa”.
Há edifícios como o Viadutos, na Bela Vista, que alertam o folião antes de aplicar multa. O revés, porém, veio sem aviso para o designer Alexandre Ferraz, 34, que mora na alameda Lorena.
Ele narra ter chegado em casa às 22h do feriado de aniversário de São Paulo, dia 25 de janeiro. Voltava do show de Anitta, no centro, com uma saia de bailarina rosa sobre os shorts e mais nada. “Perdi a camiseta em algum momento, porque fiquei o dia todo sem mesmo, pulando.”
O porteiro avisou que ele não poderia passar nas áreas comuns descamisado.
Perguntou se ele não queria pedir para um vizinho descer com toalha para ele se enrolar. Ferraz insistiu e assumiu o risco. Dois dias depois, lá estava a multa, no valor de meio condomínio (R$ 480).
“Não tem o que apelar. Regra é regra. Eu devia é ter subido meu ‘tutu’ [a saia] e improvisado uma camiseta.”
O advogado Carlos Lima, especializado em questões condominiais, confirma que a regra vigente é a acordada na convenção do prédio.
“É questão de bom senso, dificilmente um juiz daria ganho de causa para alguém que andou sem camisa na área comum, se essa pessoa resolvesse ir para a Justiça.”
Voltando à discussão entre o homem de sunga e o segurança no transporte público.
O Metrô afirma em nota que proíbe “a entrada ou permanência em suas dependências de pessoas em traje de banho ou sem camisa”.
Depois de uns minutos de bate-boca, o homem de sunga dourada desistiu e voltou para o bloco.
Phillippe Watanabe
FOLHA
O Carnaval morreu. O Carnaval como sempre o conhecemos: sem respeito e sem vergonha, muito carnal e um pouco canalha. Melhor não cantar “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval”. Podes ser acusado de apologia do estupro.
Se depender de uma certa militância, Colombina vai ter que declarar em três vias seu amor ao Arlequim, assinatura reconhecida em cartório, antes de qualquer beijinho. As definições de assédio e ofensa foram tão alargadas que cabe qualquer coisa dentro dessas palavras.
Em 2017, blocos politicamente corretos vetaram “Cabeleira do Zezé” e “Maria Sapatão, por ser “discurso de ódio”. Lamartine Babo foi linchado nas redes sociais por escrever “Mas como a cor não pega, mulata / mulata quero seu amor”.
Mas se pela razão o Carnaval deveria definhar, pela paixão viceja. O número de foliões aumenta. São Paulo, ex-túmulo do samba, hoje tem o maior Carnaval do Brasil. Em 2017 desfilaram 391 blocos. Em 2018, 491.
O Carnaval não faz sentido há quase 30 séculos. Os povos da Antiguidade marcavam a aproximação da primavera, ainda a um mês de distância, com uma festança para liquidar suas últimas comidas gordas, gostosas. Tinham pela frente mais um mês de regime forçado. Mas celebravam a sobrevivência a mais um inverno. É a origem do Carnaval e da Quaresma.
Esses bárbaros poderiam ter racionado suas iguarias para consumi-las devagarinho, durante esse último mês difícil. Preferiam a glutonice, irracional, irresistível. Seguimos bárbaros. Pelo menos alguns dias por ano.
Desde aquela época o Carnaval sobrevive a muitos chatos querendo acabar com a festa, incluindo 2.000 anos de repressão religiosa. Resistirá com facilidade ao puritanismo “de esquerda”. Isso é só o outro lado do conservadorismo carola e brucutu. Que é bem mais poderoso, mas já foi devidamente derrotado pelas hostes de Momo.
Sim, há que enterrar velhas práticas e fazer sacrifícios. É o preço de um mundo mais civilizado. Mas civilização é repressão, nos ensinou Freud, e é o exato contrário do Carnaval, eterna festa da ambiguidade e do desregramento. As ruas sugerem que quanto mais rancoroso o discurso autoritário das patrulhas, mais viva a reação, e animação, dos foliões.
Merecemos. A Quarta-Feira de Cinzas é bem mais triste no Brasil que no hemisfério norte. Para a gente, o Carnaval não é o fim da estação das dificuldades, mas o começo de fato de um novo ano, com suas novas obrigações e chateações. É o último suspiro da estação solar, temporada de fartura e prazer.
Considerando o que foi 2017 e o que 2018 nos reserva, festejemos, como faziam nossos antepassados na Roma clássica, quando o Carnaval se chamava Liberalia. Celebremos, neste Carnaval e sempre, seu patrono, o deus do vinho, Liber. E seu presente para nós: a zoeira, a esbórnia —a Liberdade.