Folha de S.Paulo

Todos sabem que eu não

- LUIZ COSENZO

DE SÃO PAULO

Em nova função no São Paulo desde meados de janeiro, o uruguaio Diego Lugano, 37, admite que tem dificuldad­es para esquecer que não é mais jogador de futebol.

Há menos de um mês, ele foi oficializa­do como diretor de relações institucio­nais da equipe que o projetou.

O ídolo são-paulino afirma que pediu para ficar afastado do campo, mas que ainda pretende ajudar no dia a dia com os jogadores, especialme­nte os mais novos.

À Folha, Lugano deu sua primeira entrevista desde que virou dirigente. Além de falar do cargo atual, reconheceu que os principais rivais do São Paulo evoluíram nos últimos anos e que o clube precisa aproveitar o momento para crescer novamente sem perder a essência.

“Não sei se o São Paulo parou no tempo. Acho que nossos adversário­s cresceram neste período. Não queria faltar com respeito a ninguém. Antes, ganhar de Corinthian­s e Palmeiras era até fácil porque eles não tinham nem de perto a estrutura do São Paulo. Ganhávamos de forma assídua”, disse o ex-zagueiro.

Lugano também diz que sua carreira foi muito mais longe do que imaginava quando deixou a cidade uruguaia de Canelones em 1998.

O zagueiro de personalid­ade forte afirma ainda que não teria a mesma atitude do zagueiro Rodrigo Caio, no duelo entre São Paulo e Corinthian­s, pelo Paulista-2017. Folha - Você não anunciou oficialmen­te sua aposentado­ria do futebol. Colocou mesmo ponto final na carreira?

Lugano - Sim, é óbvio [encerrei a carreira]. Por questões físicas você tem que encarar essa etapa. É difícil se sentir um exjogador. Ainda mais no meu caso, que faz um mês.

Assumi com o São Paulo essa nova etapa, uma oportunida­de incrível, um reconhecim­ento da minha pessoa. Vou continuar fazendo muito do que fazia como jogador, como capitão, mas agora fora de campo. Tenho de aprender a ver as coisas mais institucio­nalmente. Tenho de ter paciência e não sei ter paciência. Estou descobrind­o. Se recebesse proposta para voltar aos campos, aceitaria?

Não, não aceitaria. Já passou essa fase. Não passou a sensação de ser jogador. É impossível que ela passe, até porque você vai no vestiário e acha que é mais um. É difícil. Mas agora mudei o foco. Como é sua nova rotina?

Hoje, em muitos dias eu não venho ao centro de treinament­o. Minha prioridade é outra. Sou um diretor institucio­nal. Porém, os dias têm sido muito intensos. É impossível me afastar definitiva­mente do vestiário porque os jogadores têm uma imagem muito fresca e confiam em mim. Ainda tenho sido consultado sobre o futebol e participo de algumas coisas. Nos últimos anos, o São Paulo tem vivido crises políticas e sofre pressão da torcida em razão da falta de títulos. O clube parou no tempo?

Não sei se o São Paulo parou no tempo, mas sei que os outros times se desenvolve­ram em razão da melhora de gestão. Isso foi muito positivo para o futebol brasileiro.

Não queria faltar com respeito a ninguém. Mas, antes, ganhar de Corinthian­s e Palmeiras era até fácil porque eles não tinham nem de longe a estrutura do São Paulo. Ganhávamos de forma assídua em razão da estrutura e não por ter o melhor time. Hoje o Corinthian­s já cresceu. O Palmeiras também. O Grêmio e o Atlético-MG evoluíram e o Cruzeiro também. O Flamengo, depois de tanto tempo, tem um time da altura que sua torcida merece.

Dentro desse contexto, o São Paulo tem que saber que não é único. Não sei se naquela época o São Paulo era tão bom, talvez, era o único. Aí que estava a diferença.

Se o São Paulo, com humildade e autocrític­a, enxergar nisso uma chance de crescer sem perder sua essência e sua origem, será uma maneira excelente para melhorar.

Eu comparo esse momento igual a 2003, quando cheguei. O São Paulo estava há muito tempo sem ser campeão. Tínhamos um timaço, mas não conseguíam­os. Aí ganhamos um Paulista e faturamos vários títulos. É o que falta para o São Paulo agora. Precisa encaixar um título para ter tranquilid­ade. Estamos fazendo tudo para que isso aconteça.

Todo o apoio e tolerância que a torcida teve no ano passado não se repetirão nesse ano. Esse peso joga também. Teme ser um escudo da diretoria em razão do momento que o São Paulo atravessa?

A imagem que construí foi trabalhand­o, sendo honesto. Então, não vejo nada diferente nesse momento. Obviamente, quando não há resultados a crítica vem. Se você tem medo, não pode encarar nenhuma profissão. Não estou preocupado [em ser escudo]. Teria a mesma postura do Rodrigo Caio no lance com o Jô durante o jogo entre São Paulo e Corinthian­s, pela semifinal do Paulista-2017? faria. Mas elogio para caramba o Rodrigo. Eu critico toda a hipocrisia que existe no futebol. Tanto o que falaram do Rodrigo quanto do outro lado. Até não acho um ato de grande fair play o que aconteceu. No futebol tem muito caso mais importante que você demonstra um fair play do que aquele. Não é tudo aquilo que a imprensa fez naquele episódio. O Rodrigo é um gentleman, um menino corretíssi­mo e profission­al. Como vê o futebol brasileiro em termos de gestão? Você acha que está muito atrás do futebol europeu?

Como o Maracanã em 1950 foi bom para o Brasil, o 7 a 1 contra a Alemanha também fez muito bem para o Brasil.

DIEGO LUGANO

diretor institucio­nal do São Paulo Vejo mudanças muito positivas para vocês brasileiro­s ou para nós que estamos no São Paulo, mas muito negativa para o resto da América.

A gente sempre brinca que, como falava [o treinador argentino César Luiz] Menotti, o dia em que o Brasil começar a fazer a coisa séria será como os jogadores da NBA nos Jogos Olímpicos. Todo mundo compete pela segunda posição porque os Estados Unidos vão ser campeões no basquete. O Brasil será igual no futebol.

Após minha primeira passagem pelo São Paulo, falava para os meus companheir­os no Uruguai e na Turquia que o Brasil não podia ser campeão com os conceitos atrasados que eu via nos programas de televisão, na maneira com que falavam dos dirigentes, como treinávamo­s. Hoje há outras conversas, outros valores, outros comportame­ntos.

Falta ao futebol brasileiro ser mais bem vendido mundialmen­te. Depois do futebol inglês, é o futebol mais equilibrad­o do mundo.

“faltar com o respeito a ninguém. Antes, ganhar de Corinthian­s e Palmeiras era até fácil porque eles não tinham nem de longe a estrutura do São Paulo “futebol brasileiro ser mais bem vendido mundialmen­te. Após o inglês, é o futebol mais equilibrad­o do mundo

Você ficou satisfeito com toda a sua carreira de jogador ou esperava mais?

A realidade superou amplamente qualquer tipo de sonho e expectativ­a. Eu fui mais longe do que eu imaginava até talvez pelo o que minha qualidade futebolíst­ica havia permitido. Capitão da seleção do meu país por dez anos, sou uma referência no meu país, joguei na Europa por oito temporadas. Em todo lugar que passei eu aprendi muito, fui respeitado e querido. Tenho uma vida econômica boa por causa do futebol. Conheci culturas, conheci pessoas. Não posso me queixar de nada.

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