Folha de S.Paulo

É difícil imaginar que o sonho de um baiano apelidado de Jabá seja passar duas semanas

- LIGA DOS CAMPEÕES

no Alasca para se aventurar em uma das provas mais exigentes do esporte.

Tão radical que não basta se inscrever. O atleta ainda precisa provar para os organizado­res que tem condições físicas de participar.

Joílson da Silva Ferreira, 45, o Jabá, chegou a Minnesota, nos Estados Unidos, no último dia 5 para fazer um período de aclimataçã­o. A partir de 19 de fevereiro, ele começa o Iditasport Alaska, prova em que terá de percorrer 320 km em 120 horas no meio da neve, sem ajuda, com dias de apenas quatro horas de luz natural. A temperatur­a média é abaixo a -50ºC.

“Pode ser mais frio do que isso. A graça é levar o corpo ao limite. A mente tem de estar preparada. Faz dois anos que ninguém consegue completar esta prova”, afirma Jabá, que mora em Piracicaba (interior de São Paulo), onde é professor de educação física e personal trainer.

Para ser aceito, ele começou a fazer provas de ultramarat­onas, superiores a 100 km. Viajou para participar de competiçõe­s no deserto, em montanhas e no gelo.

Construiu um currículo até ser aceito no Iditasport Alaska. Ninguém envolvido com a corrida dá sequer atenção a quem completa em menos tempo. O importante é realmente terminar a prova, já que isso é raro.

“A aclimataçã­o é para você aprender a se virar no gelo. Acampar no meio da neve. Há algumas coisas que já aprendi, como a troca de meias. A cada 30 km elas têm de ser trocadas ou seus pés congelam. É muito importante prestar atenção aos pés, mãos, nariz e orelha. É preciso estar ligado o tempo inteiro, ou congela”, alerta Jabá.

Não deve causar nenhuma surpresa descobrir que a família era contra a ideia de ele se inscrever na corrida. Mas chegou o momento em que nada mais era possível fazer.

“Já fiz provas em que falei: ‘daqui a uns três ou quatro quilômetro­s vou passar mal’. Percebi que a glicemia havia caído. Parei e o cara que estava comigo fez uma sopa no meio da prova. Tomei e três e quatro minutos depois estava pronto para seguir.”

A diferença —e Jabá sabe disso — é que no Alasca não haverá ajuda. “Serei eu e Deus.” Faz um ano que o baiano tem realizado um trabalho especial com o Alasca na cabeça. Procurou ajuda de uma nutricioni­sta especialis­ta em alto rendimento.

Uma das grandes preocupaçõ­es é acertar a navegação.

No meio da nevasca, não há marcação do caminho e postos de comunicaçã­o podem estar a até mesmo 12 horas de distância. Se ele precisar de um resgate, a ajuda demora até dois dias para chegar. E, neste caso, ele ainda terá de pagar uma taxa de US$ 1 mil (R$ 3,3 mil). E há os ursos polares. “É inverno e a maioria está hibernando. A maioria. Nem todos”, afirma.

Jabá diz que se sentirá realizado se completar a prova, mas isso não significa que será o final da linha em provas extremas. Há mais duas que ele quer tentar. Mais difíceis do que a Iditasport Alaska.

“Tem outra, em condições semelhante­s, mas que o percurso é de 400 milhas. São 643,7 quilômetro­s”, conta.

“E, depois, quero percorrer mil milhas (1.609 quilômetro­s) de bicicleta na neve em um mês. São as três grandes provas de ultramarat­onas extremas. A graça é descobrir qual o seu limite”, completa ele, pela segunda vez usando a palavra “graça” em um sentido pouco usual para as pessoas comuns.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil