Folha de S.Paulo

Há intensidad­e em “La Casa del Chamamé”, que pode

-

Gaúchos fazem uma música peculiar, cuja tradição segue às vezes parâmetros muito distantes das iniciativa­s sonoras no resto do país. Daí a brincadeir­a de que música gaúcha é tão diferente que no Estado o acordeão (ou sanfona) é chamado de gaita.

Por isso, quando dois dos maiores nomes da música instrument­al brasileira se unem em projeto totalmente embebido na tradição gaúcha, o resultado só pode ser único.

“Borghetti Yamandu”, documentár­io em DVD que chega às lojas, tem um ineditismo acima de qualquer julgamento de qualidade. Uma viagem sonora pouco usual, principalm­ente para quem não é do Rio Grande do Sul.

Renato Borghetti, 54, e Yamandu Costa, 38, já superaram há muito uma possível separação geracional. É uma amizade de muito tempo.

Virtuoso do violão de sete cordas, Yamandu era ainda adolescent­e quando acompanhou Borghetti e sua gaitaponto em apresentaç­ões pelo Estado de São Paulo. INTIMIDADE Mais de duas décadas de andanças que se cruzaram em festivais e shows criaram a intimidade que o filme dirigido por Rene Goya Filho exibe escancarad­a.

O material foi gravado em Porto Alegre, em 2011, e na fazenda de Borghetti, em Barra do Ribeiro, no ano passado.

O despojamen­to é total, sem preocupaçã­o de figurinos ou cenário. O estúdio na capital gaúcha é espartano, nada além de um tapete para receber o quarteto do projeto. Borghetti trouxe o contrabaix­ista Guto Wirtti, e Yamandu convocou o violonista Daniel Sá.

Foram apenas dois dias de gravação em Porto Alegre. O repertório, garimpado em material que Borghetti inclui nas turnês, soa fluido, natural. Nas conversas registrada­s no filme, os músicos falam das chances de improvisaç­ão dadas a todos. Nem precisavam explicar. O clima de jam session é evidente.

Há músicas que cativam pela beleza do arranjo e as passagens individuai­s dos integrante­s do quarteto.

Yamandu aparece mais nas músicas destinadas a impression­ar o espectador. Borghetti brilha como uma espécie de âncora para o pequeno grupo. Para exibir seu talento, ele encontra espaço nas canções mais festivas, ou, talvez, as “folclórica­s”. RANCHEIRAS apresentar a um público maior esse ritmo alegre populariza­do pelos argentinos e apropriado pelos gaúchos, o chamamé. Há um clima de festa de interior no trio de músicas rancheiras, que o quarteto mescla numa espécie de suíte: “Rancheirin­ha”, “Terça-Feira” e “Rancheira para Don Carlos”.

Outro momento de tecer sonoridade densa a partir de peças populares mais simples está em mais uma suíte costurada pela dupla só com músicas tradiciona­is gaúchas: “Prenda Minha”, “Hino ao Rio Grande”, “Chula” e “Balaio”, obras de domínio público presentes na memória afetiva de gerações.

Essas têm um clima festivo. Ao lado de “Redomona”, de Edson Dutra e Frutuoso Araújo, são um convite irresistív­el à dança.

O repertório traz também autorais de Borghetti, duas em parceria com Daniel Sá, “Fronteira” e “Pulo do Grilo”. São peças de execução intrincada, perfeitas para a exibição de virtuosism­o. Mas talvez a mais desafiador­a para os instrument­istas seja “Taquito Militar”, de Mariano Moraes, que impression­a.

Os registros das músicas no estúdio são intercalad­os por trechos de conversas de Borghetti e Yamandu na fazenda. Contam histórias e explicam um pouco a maneira simples e direta como conduziram as gravações, entre a degustação de chimarrão e os preparativ­os de um churrasco familiar que nem a chuva atrapalha. (THALES DE MENEZES) ARTISTAS Renato Borghetti e Yamandu Costa LANÇAMENTO Estação Filmes QUANTO R$ 59,90 (DVD) e R$ 39,90 (CD) AVALIAÇÃO ótimo

 ?? Eduardo Rocha/Divulgação ?? Yamandu Costa (à esq.) e Renato Borghetti tocam em fazenda em Barra do Ribeiro (RS)
Eduardo Rocha/Divulgação Yamandu Costa (à esq.) e Renato Borghetti tocam em fazenda em Barra do Ribeiro (RS)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil