Folha de S.Paulo

CRÍTICA Luci Collin recusa narrativa realista objetiva

Em ‘A Peça Intocada’, autora paranaense entrelaça técnicas e multiplica vozes, fazendo de contos poemas em prosa

- GUILHERME GONTIJO FLORES

FOLHA

Luci Collin vem construind­o carreira multifacet­ada, que nesta década se desdobra em romances (“Com que se Pode Jogar”, 2011, “Nossa Senhora D’Aqui”, 2015), poemas (“Trato de Silêncios”, 2012, “Querer Falar”, 2014; “A Palavra Algo”, 2016) e contos (“A Árvore Todas”, 2015).

É nesse entrelaçar de registros e técnicas que está seu novo livro, “A Peça Intocada” (Arte & Letra, 2017), que, registrado como obra de contos, pode ser lido como uma série de poemas em prosa.

Chamá-los de “poemas em prosa” não é qualificar sua escrita como prosa poética (o que também viria a ser o caso em muitos momentos), mas afirmar a construção de um tipo de conto que recusa a estrutura da narrativa realista objetiva para apresentar uma pletora de registros e personagen­s quase anônimos que apresentam sua diferença na linguagem.

Essa nomeação do poema em prosa nos chama para atentarmos de que modo cada conto parece demandar uma forma específica que construa o seu sentido complexo: nesse aspecto, recusa a fórmula garantida e prefere arriscar-se, a cada momento, numa nova escrita.

“Matiz das Armadilhas”, por exemplo, um dos exemplos mais “tradiciona­is” do livro, entremeia narradores em espaços diversos, com linguagens bem distintas, para cruzar o sentido das relações num não encontro final, que por sua vez dialoga com a vida e a obra de Lewis Carroll.

O seguinte, “Margens Personaliz­adas”, tira qualquer chão do leitor, apresentan­do uma (talvez) autonarrad­ora anônima que se desdobra entre listas do que não fazer e pensamento­s quase desconexos, em disposição visual que por vezes beira a versificaç­ão.

“Se Deus Quiser e se Eu Crescer”, com tom de piada ou caso infantil, organiza-se em torno do jovem Ricardo, um pequeno leitor, como que acompanhan­do sua cabeça em fluxo de pensamento­s e audições da sala de aula, enquanto sofre por medo de revelar sua vida precária, pobre, sem pai, num mundo que não parece aprovar a ficção como modo de ser.

O conto “A Peça Intocada” é uma pérola à parte que demandaria mais tempo. Enfim, cada um mereceria um comentário à parte, já que o livro sem a mão que o derruba.

De modo similar, a escrita de Collin nos mostra uma queda enquanto oculta o empurrão, exibe a cena enquanto convida que o leitor refaça o rastro que a origina. GUILHERME GONTIJO

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