CRÍTICA Luci Collin recusa narrativa realista objetiva
Em ‘A Peça Intocada’, autora paranaense entrelaça técnicas e multiplica vozes, fazendo de contos poemas em prosa
FOLHA
Luci Collin vem construindo carreira multifacetada, que nesta década se desdobra em romances (“Com que se Pode Jogar”, 2011, “Nossa Senhora D’Aqui”, 2015), poemas (“Trato de Silêncios”, 2012, “Querer Falar”, 2014; “A Palavra Algo”, 2016) e contos (“A Árvore Todas”, 2015).
É nesse entrelaçar de registros e técnicas que está seu novo livro, “A Peça Intocada” (Arte & Letra, 2017), que, registrado como obra de contos, pode ser lido como uma série de poemas em prosa.
Chamá-los de “poemas em prosa” não é qualificar sua escrita como prosa poética (o que também viria a ser o caso em muitos momentos), mas afirmar a construção de um tipo de conto que recusa a estrutura da narrativa realista objetiva para apresentar uma pletora de registros e personagens quase anônimos que apresentam sua diferença na linguagem.
Essa nomeação do poema em prosa nos chama para atentarmos de que modo cada conto parece demandar uma forma específica que construa o seu sentido complexo: nesse aspecto, recusa a fórmula garantida e prefere arriscar-se, a cada momento, numa nova escrita.
“Matiz das Armadilhas”, por exemplo, um dos exemplos mais “tradicionais” do livro, entremeia narradores em espaços diversos, com linguagens bem distintas, para cruzar o sentido das relações num não encontro final, que por sua vez dialoga com a vida e a obra de Lewis Carroll.
O seguinte, “Margens Personalizadas”, tira qualquer chão do leitor, apresentando uma (talvez) autonarradora anônima que se desdobra entre listas do que não fazer e pensamentos quase desconexos, em disposição visual que por vezes beira a versificação.
“Se Deus Quiser e se Eu Crescer”, com tom de piada ou caso infantil, organiza-se em torno do jovem Ricardo, um pequeno leitor, como que acompanhando sua cabeça em fluxo de pensamentos e audições da sala de aula, enquanto sofre por medo de revelar sua vida precária, pobre, sem pai, num mundo que não parece aprovar a ficção como modo de ser.
O conto “A Peça Intocada” é uma pérola à parte que demandaria mais tempo. Enfim, cada um mereceria um comentário à parte, já que o livro sem a mão que o derruba.
De modo similar, a escrita de Collin nos mostra uma queda enquanto oculta o empurrão, exibe a cena enquanto convida que o leitor refaça o rastro que a origina. GUILHERME GONTIJO