Folha de S.Paulo

A ética do preço

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SÃO PAULO - O Ministério Público do Rio de Janeiro está processand­o a empresa Decolar.com, que vende passagens aéreas e faz reservas de hotéis. A firma é acusada de discrimina­r consumidor­es, fixando o preço de acordo com a origem geográfica de onde parte a busca. No caso específico, durante a Olimpíada do Rio, a Decolar.com teria favorecido clientes de fora do país.

Qual é a ética do preço? Ele pode ser determinad­o levando em conta caracterís­ticas do comprador ou deve sempre ser estabeleci­do por regras objetivas e impessoais, como a chamada lei da oferta e da procura?

Atitudes como a da Decolar.com são só uma versão um pouco mais sofisticad­a da estratégia do comerciant­e que não etiqueta seus produtos e decide quanto vai cobrar dependendo dos sinais exteriores de riqueza de cada cliente. Pelo menos no Ocidente, tendemos a classifica­r essas práticas como desonestas. Dar o preço de acordo com a cara do freguês não sobrevive ao teste das nos- sas intuições éticas.

Mas será que não passa mesmo? Quando tiramos o comerciant­e da jogada e colocamos o Fisco, nós praticamen­te exigimos que os mais ricos paguem alíquotas maiores. Também defendo o IR progressiv­o, mas não consigo explicar por que é ético para o Estado cobrar mais dos mais ricos, mas não para o empresário.

Não nos saímos muito melhor com as regras objetivas. Só aceitamos a lei da oferta e da procura até certo ponto. O comerciant­e que eleva o preço de seu produto durante uma emergência (um remédio numa situação de epidemia, por exemplo) corre o risco de ir para a cadeia. Apesar de o aumento ser a consequênc­ia óbvia da aplicação da regra objetiva, não conseguimo­s deixar de vê-lo como uma exploração.

Decididame­nte, a coerência não é o forte do ser humano. Entre as nossas intuições e a lógica, não hesitamos em ficar com as primeiras, mesmo sem saber o porquê. helio@uol.com.br

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