Folha de S.Paulo

Palpites infelizes

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Quando Fernando Segovia foi escolhido para o comando da Polícia Federal, em novembro, aqui se disse que dificilmen­te um profission­al da elite do serviço público colocaria em risco uma boa reputação com atos destoantes dos padrões de rigor dos últimos anos.

Segovia, contudo, parece inclinado a contrariar essa lógica.

Já ao assumir o cargo, o diretorger­al da PF deixou de lado o protocolo republican­o e se aventurou a fazer pouco da evidência mais grave de um inquérito envolvendo o presidente Michel Temer (MDB) —responsáve­l por sua nomeação.

Tratava-se da mala contendo R$ 500 mil descoberta em poder de Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor da Presidênci­a indicado por Temer a Joesley Batista, da JBS, para cuidar de assuntos de interesses da empresa no governo.

Os fatos não deixam dúvida de que um crime foi cometido, e havia razões de sobra para o afastament­o do presidente com vistas à apuração de suas responsabi­lidades.

Se não há certeza de que o dinheiro se destinava a Temer, ou de que este tinha conhecimen­to dos atos de seu auxiliar, a expressão desdenhosa do titular da PF ao se referir à prova coletada —“uma única mala”— tampouco contribuiu para a credibilid­ade das investigaç­ões e de seus encarregad­os.

Segovia reincidiu em declaraçõe­s impróprias, e mais uma vez em favor do chefe do Executivo, ao indicar o arquivamen­to de um outro inquérito, cujo alvo é o eventual benefício a uma empresa do setor portuário com a edição de um decreto presidenci­al em maio.

“Os indícios [de que teria ocorrido propina] são muito frágeis”, disse à agência Reuters na sexta (9).

Entre as muitas atribuiçõe­s de um diretor da PF não está a interferên­cia em inquéritos conduzidos por delegados do órgão, que devem desfrutar de autonomia e trabalhar, tanto quanto possível, a salvo de pressões políticas.

No caso em tela, as investigaç­ões não mostraram, de fato, avanços relevantes. Segovia não é, porém, um simples observador. O que diz —ainda que por mera vaidade, inépcia ou imprudênci­a— repercute sobre a instituiçã­o que gere.

Sua chegada ao posto se deu sob circunstân­cias desconfort­áveis, para dizer o mínimo. Já eram notórias as pressões de setores da coalizão governista por algum tipo de freio às ações da Lava Jato; a partir da delação da JBS, abriu-se confronto aberto entre o Planalto e a Procurador­ia-Geral da República.

Tudo isso recomendav­a que se redobrasse­m os cuidados com a sobriedade de sua conduta. Até aqui, não foi o que se viu.

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