Folha de S.Paulo

Morrer no Carnaval

-

RIO DE JANEIRO - Se você conhece este fabuloso samba de Carnaval, parabéns: “Quero morrer no Carnaval/ Na Avenida Central/ Sambando/ O povo na rua cantando/ O derradeiro samba/ Que eu fizer chorando...”. E a segunda parte: “Quero morrer fantasiado de palhaço/ Que sempre fui sem ter vestido a fantasia/ Eu, que vivia ouvindo risos de fracasso/ Quero morrer ouvindo guizos de alegria”. É um daqueles sambas de frases longas, exigindo vozes idem, daí ter sido lançado, em 1961, pela insuperáve­l Linda Batista. Seus autores, Eurico Campos e Luiz Antonio, ficaram na vontade, mas morrer no Carnaval seria o destino de vários de seus colegas.

Benedito Lacerda, coautor de “A Jardineira”, “Despedida de Mangueira”, “Eva querida” e tantos sambas e marchinhas típicos da festa, partira no domingo de Carnaval de 1958. Ary Barroso, que para o Carnaval fizera “Foi ela”, “Como ‘Vais’ Você” e a obra-prima “Camisa Amarela”, tam- bém iria nesse dia, só que no Carnaval de 1964. Nove dias depois, seria seguido por Vicente Paiva, coautor de — precisa mais?— “Mamãe Eu Quero” e a “Marcha do Cordão da Bola Preta”.

Mas nada superaria a morte de Pixinguinh­a, no sábado de Carnaval de 1973. Não lhe bastou estar dentro de uma igreja, a da Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, quando ela aconteceu. A metros dali passava a Banda de Ipanema, sua afilhada, e esta diminuiu o passo para velá-lo ao som de “Carinhoso”.

No sábado último, foi a vez do quase obscuro Niltinho “Tristeza”, autor de um samba que, depois de retoques por Haroldo Lobo, saltou do Carnaval de 1966 para correr o mundo: “Tristeza/ Por favor, vá embora...” —daí o nome que ele carregaria para sempre.

Nos dias seguintes à morte de Niltinho, quase 500 blocos saíram às ruas do Rio. Não há notícia de que um deles tenha cantado aquele contagiant­e la-ra-rá. PATRÍCIA CAMPOS MELLO Folha.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil