Folha de S.Paulo

A taxa real de juros caiu, fenômeno que se encontra na raiz da reversão do consumo no Brasil

- COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

PONHA-SE NA seguinte situação: você tem $ 1.000 e seu banco lhe oferece uma aplicação por um ano com taxa de 10%, prometendo depositar de volta na sua conta $ 1.100. Você toparia?

Não serei eu quem vai lhe dar a resposta, claro, mas noto que falta (pelo menos) uma informação crucial no problema acima, a saber, qual será a inflação nesse ano durante o qual seu dinheiro estará “preso” na aplicação.

Digamos que seja de 15%, isto é, as coisas que você poderia comprar por $ 1.000 hoje custarão $ 1.150 daqui a um ano. Nesse caso, seus $ 1.100 não poderão comprar o mesmo que $ 1.000 hoje, mas um pouco menos, ou seja, você perderia com essa aplicação. Faria mais sentido gastar o seus recursos agora, quando ainda pode comprar $ 1.000.

Não é difícil concluir, portanto, que seria vantajoso para você aplicar o dinheiro e abrir mão da possibilid­ade de gastá-lo agora apenas quando a inflação nos 12 meses seguintes fique abaixo de 10%.

Isso não quer dizer, óbvio, que necessaria­mente você aplicará esses recursos caso a inflação esperada para daqui a um ano seja inferior a 10%; tal decisão depende de suas preferênci­as pessoais, em particular se é mais impaciente (por estar, por exemplo, mais velho e com menos tempo para esperar) ou menos. Isso dito, deve ter ficado claro que a decisão de aplicar o dinheiro (em oposição a gastá-lo hoje) depende crucialmen­te da diferença entre o retorno de sua aplicação e a taxa de inflação futura, também conhecida como a taxa real de juros.

O problema é que, embora em geral conheçamos a taxa a que podemos aplicar nosso dinheiro, não sabemos a inflação nos próximos 12 (ou 3, ou 47) meses. No melhor dos casos, podemos ter uma expectativ­a (um nome mais sofisticad­o para um “chute” educado) sobre como os preços se comportarã­o no horizonte relevante. Se estivermos certos sobre esse chute, ou não, só saberemos ao final do período, mas, quando o fizermos, nossa decisão, tomada há 12 (ou 3, ou 47) meses, já fará parte do passado e será, portanto, irrevogáve­l.

Dessa lenga-lenga toda, fica uma lição importante. A taxa real de juros que determina a decisão de gasto (portanto de atividade econômica) é a diferença entre a taxa de juros para um determinad­o prazo e a inflação esperada para aquele prazo. A inflação efetivamen­te observada é irrelevant­e, porque não pode alterar decisões já tomadas.

No caso do Brasil, em particular, a taxa real de juros assim definida (para o período de um ano) caiu de 8,6% no último trimestre de 2015 para 2,9% no mesmo período de 2017, fenômeno que se encontra na raiz da reversão do consumo.

Considerad­a a defasagem usual de dois trimestres, as vendas do varejo, que caíam quase 7% na comparação interanual, passaram a crescer pouco mais que 5% no final do ano passado, sem ainda refletir a queda observada na segunda metade de 2017. Houve (e ainda há) um impulso monetário consideráv­el.

Não há, portanto, a necessidad­e de inventar ginásticas sobre estímulos “parafiscai­s” para entender por que, ao contrário do que diziam os keynesiano­s de quermesse, o consumo cresceu mesmo com queda do gasto público. Bastava lembrar que, em oposição aos países desenvolvi­dos, a taxa de juros no Brasil não era zero (oh!), mas isso requer mais honestidad­e do que esse pessoal consegue aguentar. ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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