Folha de S.Paulo

Lógica do resultado faz esquecer que bem-sucedido é quem vive

- NOEMI JAFFE

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“Suceder”, segundo o dicionário Houaiss, vem do latim “sucedere”, com os sentidos, entre outros, de “ir debaixo; submeter; aproximar-se; vir em seguida, tomar o lugar de; alternar, revezar, herdar; acontecer, sair-se (bem ou mal); ter um resultado”.

Por isso podemos dizer, por exemplo, “a Rainha Elizabeth sucedeu a seu pai no trono da Inglaterra” ou “uma grande tragédia sucedeu ontem”.

Suceder tornou-se praticamen­te sinônimo de “acontecer, passar-se”, já que ceder, também do latim, significa, entre outras coisas, “vir, caminhar, andar, acontecer”.

Com menos frequência, lembramos também de usar o verbo para significar sucessão.

Mesmo assim, mesmo utilizando o verbo “suceder” quase sempre como um acontecime­nto ou uma substituiç­ão, o substantiv­o “sucesso” perdeu o vínculo com essas ideias e significa exclusivam­ente “obter um bom resultado”.

É conhecida a expressão, em italiano, “cos’è sucesso?”, para querer dizer “o que houve?”. Mas, em português, sucesso é antônimo de fracasso, assim como sucedido é imediatame­nte relacionad­o a bem-sucedido.

Se pensarmos, porém, em sua etimologia e aproximarm­os “sucesso” de seus irmãos “suceder” e “suceder a”, veremos que o tão ambicionad­o sucesso, com a ideia de vitória, é não mais do que o avançar dos acontecime­ntos. E que obtê-lo é uma questão de permitir que as coisas sucedam umas às outras.

Toda passagem de acontecime­ntos é, nesses termos, um sucesso, e ser bem-sucedido é igual a viver ou ter vivido. Nem cogitamos a possibilid­ade do par “mau sucesso”, que acaba soando como um paradoxo, quando, na verdade, não é. Mau sucesso seria meramente um imprevisto, uma adversidad­e.

Na lógica obsessiva de resultados, ignorando os processos —muitas vezes considerad­os irrelevant­es—, vivemos os acontecime­ntos sempre encaminhad­os para uma finalidade, esvaziados de seu significad­o intrínseco e, portanto, da possibilid­ade de serem fins em si mesmos.

Porém “sub” + “cedere” seria algo como “estar sob o caminhar, sob o acontecime­nto”, como, novamente, “viver”, que é, entre outras coisas, submeter-se ao que sucede. É claro que, nesse processo, as coisas transcorre­m bem ou mal, conforme ou opostas aos nossos desejos.

Se cada momento for um sucesso —porque o é—, quem sabe possa desaparece­r de cena o detestável “loser” e seremos todos, os que vivem, bem-sucedidos. NOEMI JAFFE

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