Folha de S.Paulo

Ônus e bônus

-

A política do governo Trump para a América Latina está em pleno movimento. Da renegociaç­ão do Nafta ao endurecime­nto com a Venezuela, a Casa Branca pisou no acelerador da diplomacia regional. Nos próximos nove meses, essa máquina ganhará velocidade e vida própria.

O motivo é fácil de entender: em novembro, o presidente americano enfrentará seu teste mais duro, pois o Partido Republican­o disputará 435 vagas para deputado, 34 assentos no Senado, 39 governos Estaduais e uma porção de câmaras locais. O resultado da disputa definirá quão árduo será o resto do mandato presidenci­al e sinalizará quais as chances de Trump em uma eventual campanha pela reeleição.

Na prática, isso significa que boa parte da diplomacia latinoamer­icana do governo Trump será feita em Estados como Flórida, Arizona e Texas, onde a diáspora latina tem presença eleitoral significat­iva. Entra aí boa parte da agenda em temas tais como segurança, narcotráfi­co, Cuba e Venezuela.

Outra parte da agenda será dominada pela necessidad­e que Trump tem de mobilizar o eleitor tradiciona­l do Partido Democrata que, nas últimas eleições, virou a casaca para dar-lhe a vitória sobre Hillary Clinton. Entra aí a agenda de imigração, comércio, China e Nafta.

Para o Brasil, tais circunstân­cias criam oportunida­des que antes não existiam. A mais óbvia diz respeito à nova disposição americana de denunciar o aumento da presença chinesa na América Latina.

Os chineses representa­m o novo eixo de nossa dependênci­a externa. Além da posição que ocupam na pauta de exportaçõe­s e de investimen­tos, os chineses acabam de comprar um terço do setor elétrico brasileiro e prometem abocanhar parcelas significat­ivas da geração elétrica futura.

A retórica e a realidade da competição entre Washington e Pequim na América Latina têm tudo para beneficiar o Brasil.

Só que a natureza do jogo também impõe novos riscos aos interesses brasileiro­s. O mais gritante refere-se à Venezuela. Como Washington fará diplomacia de olho na urna, suas chances de meter os pés pelas mãos são enormes, ao passo que nossa capacidade de conter desastres continua mínima.

Além disso, a nova diplomacia de Trump para a América Latina cria uma dinâmica competitiv­a entre os países da região: Juan Manuel Santos, da Colômbia, e Mauricio Macri, da Argentina, já se movem para tirar vantagem, atendendo demandas americanas em troca de recursos políticos.

Ocorre que essa dinâmica chega em um momento no qual o Brasil não consegue — devido às circunstân­cias do governo Temer e ao calendário eleitoral— partir para cima.

O ônus e o bônus de um eventual ajuste diplomátic­o ficarão para o próximo presidente brasileiro.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil