Folha de S.Paulo

Complexo de pit bulls

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BRASÍLIA - A tragédia futebolíst­ica brasileira em 1950 levou Nelson Rodrigues (1912-1980) a cunhar a famosa expressão “complexo de viralatas” para se referir ao nosso acabrunham­ento diante do mundo.

A roubalheir­a generaliza­da que envolve figuras de todos os partidos detonou outro complexo, o dos pit bulls, com epicentro em Curitiba.

É quase um haraquiri social discordar de ditames de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e companhia, mas vamos lá: não tem cabimento propor, como faz o Ministério Público do Distrito Federal, prisão de 387 anos como punição a um dos esquemas comandados pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ).

O ex-deputado possivelme­nte cometeu crimes, mas querem lhe impingir —e a apenas uma das investigaç­ões— um transatlân­tico de anos não destinado nem a genocidas.

A sorte de Cunha é que não inventaram ainda a pílula da imortalida­de. E que, no Brasil, o prazo máximo de encarceram­ento é de 30 anos.

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) já ganhou, além de correntes nos pés, quatro condenaçõe­s que somam 87 anos de prisão. Ele responde a outros 13 processos.

Os três magistrado­s sincroniza­dos do TRF-4 aplicaram 12 anos de punição a Lula (PT) pela promessa de ganho de parte de um tríplex. A possível pena no caso do sítio de Atibaia (SP), em que os indicativo­s de benefício imoral a ele são mais robustos, ficará em quanto, 20, 30 anos?

Pesquise aí na internet e verá condenaçõe­s de 12 anos aos mais variados assassinos. Como bem escreveu o advogado Luís Francisco Carvalho Filho nesta Folha, matar é mais grave do que pagar ou receber propina. As punições devem refletir isso.

Testemunha da era dos extremos, nunca acreditei que fanatismo leve a coisa boa. Criminosos de colarinhob­ranco devem receber duras punições financeira­s, com cadeia após decisão de segunda instância. Mas com penas proporcion­ais, não as que parecem retiradas do juízo final.

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