Folha de S.Paulo

Saúde e liberdade

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A epidemia mundial de obesidade é fenômeno concreto e constitui um desafio para as autoridade­s sanitárias. O excesso de peso, afinal, está associado a uma série de moléstias graves como diabetes, doenças cardiovasc­ulares e até alguns tipos de câncer.

Diante de uma disparada dos índices de sobrepeso infantil, o governo chileno declarou guerra a alimentos insalubres, impondo mudanças nas embalagens, criando restrições à publicidad­e e elevando a carga tributária de produtos como os refrigeran­tes.

A meta se mostra, a princípio, correta. Resta saber se os meios escolhidos são os mais indicados.

Objetivos sociais relevantes não raro se chocam com garantias às liberdades individuai­s. Seria uma intromissã­o descabida do Estado na vida privada, por exemplo, proibir todo o consumo de álcool para reduzir as mortes no trânsito.

As regras adotadas no Chile não chegam, obviamente, a tamanha arbitrarie­dade. Ainda assim, ensejam discussão —o tema também está em pauta no Brasil.

Lá, o governo determinou que as embalagens de alimentos que contenham altos teores de sal, açúcar e gordura tragam alertas para o risco de consumir o produto.

Tais normas de rotulagem pare- cem corretas, desde que se evite o alarmismo. Empresas não podem se furtar à obrigação de fornecer a melhor informação científica disponível sobre o que comerciali­zam.

Mais controvers­as são as restrições ao marketing, que já baniram ícones como o tigre Tony, dos cereais açucarados Kellogg’s. Neste caso se interfere na liberdade de expressão: se disciplina­r a publicidad­e é razoável, o veto total a determinad­os conteúdos só se justifica em casos extremos.

Também inspira cautela a ideia de elevar a tributação de artigos muito calóricos, a exemplo do que vários países já fazem com o cigarro e o álcool. Embora defensável, o uso de tal instrument­o deve mirar apenas o consumo abusivo —não faria sentido, por exemplo, sobretaxar o pão e o macarrão.

Deve-se levar em conta que, diferentem­ente do cigarro —uma droga que vicia e prejudica não somente seus usuários como aqueles que os cercam—, alimentos são necessário­s à vida. Mesmo os que engordam não são inadequado­s para todos a todo momento.

Cabe ao Estado, sem dúvida, promover hábitos saudáveis. Mas há que preservar ao máximo a liberdade das empresas de atuar e, principalm­ente, a do cidadão de escolher o que vai ou não comer.

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